Tratamento de água para consumo humano

Carla Gracy Ribeiro Meneses

Escrito por Carla Gracy Ribeiro Meneses

18 de setembro 2019| 19 min. de leitura

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A água é essencial à vida humana e um recurso natural cada vez mais escasso. O homem necessita de água de qualidade adequada para desenvolver suas atividades, não só para proteção de sua saúde, como também para o seu desenvolvimento econômico.

No Brasil, segundo dados do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento (SNIS), no ano 2017, 83,5% dos brasileiros são atendidos com abastecimento de água tratada, chegando a um consumo médio de água no país de 153,6 litros por habitante ao dia.

No entanto, estima-se ainda que um grande número de internações hospitalares está relacionado com a ausência da qualidade da água consumida pela população. Segundo o Instituto Trata Brasil, no ano de 2013 foram registrados 2.193 óbitos em razão das infecções gastrointestinais – 59% das mortes foram em pessoas com mais de 70 anos de idade.

Na verdade, a água pura no sentido rigoroso do termo, não existe na natureza, pois a água é um ótimo solvente, e desta forma, nunca é encontrada em estado de absoluta pureza. A água pode conter uma série de impurezas, que precisa de um tratamento, para que assim, possa atender a um padrão de potabilidade para ser consumida.

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Você sabe o que é Padrão de Potabilidade da água?

Padrão de Potabilidade são as quantidades limites que, com relação aos diversos elementos, podem ser toleradas nas águas sendo fixadas, em geral, por decretos, regulamentos ou especificações.

No Brasil, o Padrão de Potabilidade da água é estabelecido pelo Ministério da Saúde expresso na Portaria de Consolidação nº 5 de 28/09/2017 que define os procedimentos de controle e de vigilância da qualidade da água para consumo humano e seu padrão de potabilidade (Origem: PRT MS/GM 2914/2011, Art. 1º).

Para que possa ser consumida, sem apresentar riscos à saúde, ou seja, tornar-se potável, a água tem que ser tratada, limpa e descontaminada, atendendo os Padrões de Potabilidade.

Como ocorre o tratamento da água?

O tratamento de água é realizado em uma Estação de Tratamento de Água (ETA), definida na norma brasileira (NBR 12216 (NB592) de 04/1992 – Projeto de estação de tratamento de água para abastecimento público) comoconjunto de unidades destinado a adequar as características das águas aos padrões de potabilidade”.

Entretanto, para elaboração de um projeto de uma Estação de Tratamento de Água (ETA), é fundamental o conhecimento das características físicas, químicas e biológicas de qualidade da água.

As características físicas possuem importância sobre o aspecto estético da água, enquanto, as características químicas e biológicas são de grande importância com relação a saúde humana.

As características de qualidade da água dos mananciais superficiais e o uso desta para abastecimento público pode ser realizada através da Resolução CONAMA (Conselho Nacional do Meio Ambiental) nº 357/2005, que classifica as águas em três categorias (águas doces, salobras e salinas) e, essas categorias em treze classes de qualidade, para os seus usos preponderantes.

A NBR 12.216/92, também faz uma classificação das águas naturais em quatro tipos (Tipo A, Tipo B, Tipo C e Tipo D). A Resolução com a norma associa a cada uma das classificações de água a um tipo de tecnologia recomendado.

Segundo Di Bernardo e Dantas (2005), as tecnologias de tratamento de água para consumo humano, podem ser resumidas em dois grupos, sem coagulação química e com coagulação química. Na Figura, são apresentadas, na forma de diagrama de blocos, as principais tecnologias para tratamento de água.

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Principais tecnologias de tratamento de água para consumo humano. Fonte: Di Bernardo e Dantas (2005)

Então quais os processos de Tratamento de Água?

A prática consagrada no Brasil, para concepção das estações de tratamento de água de mananciais superficiais para abastecimento, em grande parte das situações, adota a combinação dos seguintes processos: clarificação, com o objetivo de remover sólidos, a desinfecção, para eliminação dos microrganismos, a fluoretação, para prevenção da cárie dentária e por último, a correção de pH (Potencial Hidrogeniônico).

Entretanto, em função das substâncias orgânicas e inorgânicas presentes nas águas naturais, alguns processos diferentes dos descritos podem se mostrar necessários. Vários desses são complexos, apresentando custo elevado e uma operação especializada, sendo esses: abrandamento, adsorção, aeração, oxidação, tratamento com membranas, troca iônica.

Então o que é o processo de clarificação?

Clarificação pode ser definida como sendo a remoção da matéria finamente dividida e em suspensão na água. É um processo que envolve, fundamentalmente, quatro etapas: coagulação, floculação, sedimentação e filtração.

Coagulação e Floculação:

A coagulação envolve a aplicação de produtos químicos (coagulantes) para precipitação de compostos em solução e desestabilização de suspensões coloidais de partículas sólidas, que, de outra maneira, não poderiam ser removidas nas outras etapas do tratamento de água.

O coagulante mais utilizado é o sulfato de alumínio (Al2(SO4)3). Há outros agentes químicos que podem ser utilizados com essa mesma função, tais como: Aluminato de Sódio, Policloreto de Alumínio (PAC), Cloreto Férrico, coagulantes orgânicos a base de Tanino e ou ainda polímeros orgânicos.

A coagulação pode ser considerada como um processo constituído de duas fases subsequentes: a primeira – a coagulação, propriamente dita – envolve a adição de coagulantes químicos com a finalidade de reduzir as forças que mantêm separadas as partículas em suspensão.

Esses coagulantes devem ser dispersados de forma homogênea e o mais rapidamente possível na água a ser tratada, porque as reações de coagulação são rápidas e irreversíveis. Com isso, são utilizados dispositivos de dispositivos mecânicos ou hidráulicos que provocam uma mistura rápida.

Após a mistura rápida existe necessidade de agitação relativamente mais lenta, para que ocorram choques entre as impurezas, promovendo a agregação de partículas desestabilizadas e aglomeração em partículas maiores, denominadas de “flocos” ou “flóculos”, ocasionando assim, o processo denominado de Floculação, que é a segunda fase da coagulação.

Quais os prejuízos ocasionados pela inadequada coagulação-floculação

A coagulação e a floculação desempenham um papel dominante na cadeia de processos de tratamento de água, principalmente na preparação da decantação ou da flotação e, assim, na filtração que se segue. O sucesso dos outros processos depende, portanto, de uma coagulação bem sucedida.

A coagulação-floculação não promovida adequadamente pode acarretar os seguintes prejuízos ao tratamento de água:

  • Consumo excessivo de produtos floculantes;
  • Diminuição de rendimento da ETA devido a obstrução nos filtros ocasionada por flocos de baixa velocidade de sedimentação;
  • Maior frequência nas lavagens dos filtros, representando maior consumo de água e energia para esse fim;
  • Aumento nas perdas de água na produção.

Sedimentação:

O processo consiste na utilização da ação da gravidade para separar partículas de densidade superior à da água, depositando-as em uma superfície ou zona de armazenamento. As partículas que não são removidas na sedimentação seja por seu pequeno tamanho ou por serem de densidade muito próxima à da água, deverão ser removidas na filtração.

O processo ocorre em decantadores, que são unidades destinadas à remoção de partículas presentes na água, pela ação da gravidade. Os principais tipos de decantadores utilizados no tratamento de água são: clássico ou convencional de fluxo horizontal; laminares (alta taxa) com tubos ou lâminas; manto de lodos de fluxo vertical.

Os decantadores convencionais são empregados até hoje em projetos de ETAs devido à simplicidade, boa eficiência na remoção de partículas e baixa sensibilidade a sobrecargas. Os decantadores de alta taxa com fluxo laminar (lamelar) são utilizados para o aumento da produção de água em estações convencionais ou quando a área disponível inviabiliza a construção de decantadores convencionais.

Filtração:

É um processo físico de separação de misturas heterogêneas, que consiste basicamente em passar a mistura de interesse através de um meio filtrante. A areia é o meio filtrante mais utilizado, entretanto outros materiais têm sido utilizados com sucesso, entre os quais o carvão (antracito) e a granada.

Quais os tipos de filtros

Em relação ao sentido de escoamento e à velocidade com que a água atravessa a camada de material filtrante, a filtração pode ser caracterizada como lenta, rápida de fluxo ascendente ou rápida de fluxo descendente.

Os filtros lentos são utilizados nos casos em que a água bruta apresenta pouca turbidez e baixa cor, não exigindo tratamento químico (coagulação). Já os filtros rápidos recebem geralmente água tratada quimicamente e podem ser de camada filtrante simples (areia) ou dupla (areia e antracito), com fluxo ascendente ou descendente.

O de fluxo ascendente são sempre de camada simples, e funciona em sentido inversão, fluxo de baixo para cima. Dispensa as operações de floculação e decantação, sendo aplicado um coagulante minutos antes da filtração. A lavagem é feita com uma corrente de água no mesmo sentido de filtração.

O de fluxo descendente, pode ser em uma ou duas camadas (camada dupla), onde a água percorre a camada filtrante de cima para baixo. A lavagem ocorre em intervalos de 20 a 40 horas, por 10 minutos, dependendo das características de água que chega ao filtro e das condições de operação, em contracorrente, por inversão de fluxo (baixo para cima).

O que é o processo de desinfecção?

A desinfecção de água para fins de abastecimento constitui uma medida que, em caráter corretivo ou preventivo, deve ser obrigatoriamente adotada em todos os sistemas públicos. Somente um processo de desinfecção bem controlado, antes da água atingir o ponto de consumo, é que poderá garantir a qualidade da água do ponto de vista de saúde pública.

Qual a finalidade da desinfecção

A desinfecção tem como finalidade a prevenção de uma eventual contaminação de água no sistema de distribuição e eliminação de microrganismos patogênicos que não foram removidos nas operações no processo de clarificação.

Formas de desinfecção

As formas mais comuns de desinfecção da água são: ozonização, dosagem de hipoclorito, cloração e lâmpada de ultravioleta.

A ozonização é feita a partir de um gerador de ozônio produzido a partir de oxigênio do ar ou cilindro de oxigênio. A dosagem de hipoclorito de sódio é feita diretamente na água, nesta aplicação o tempo de contato é fundamental para manutenção de cloro residual produzindo o ácido hipocloroso.

Já a cloração da água consiste na dosagem direta de cloro gasoso. Na desinfecção por ultravioleta, a destruição do DNA de bactérias, vírus, esporos, algas e fungos ocorre no comprimento de onda de 254 nm utilizando-se lâmpadas fluorescentes de vapor de mercúrio de alta eficiência

A Portaria de Consolidação nº 5 de 28/09/2017 estabelece no Art. 15 – IV – assegurar que a água fornecida contenha um teor mínimo de cloro residual livre de 0,5 mg/L; e no Art. 34. é obrigatória a manutenção de, no mínimo, 0,2 mg/L de cloro residual livre ou 2 mg/L de cloro residual combinado ou de 0,2 mg/L de dióxido de cloro em toda a extensão do sistema de distribuição (reservatório e rede).

Ainda de acordo com a Portaria acima, Art. 35. No caso do uso de ozônio ou radiação ultravioleta como desinfetante, deverá ser adicionado cloro ou dióxido de cloro, de forma a manter residual mínimo no sistema de distribuição (reservatório e rede), de acordo com as disposições do art. 34.

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O que é o Processo de Fluoretação?

O processo de fluoretação é a adição controlada de um composto de flúor à água de abastecimento público com a finalidade de elevar a concentração do mesmo a um teor predeterminado e, desta forma, atuar no controle da cárie dentária.

A fluoretação da água de abastecimento público é um método consagrado mundialmente, tendo sido reconhecido em 1969, durante a 22ª Assembleia da Organização Mundial de Saúde, realizada em Boston, como uma “medida de saúde pública, prática e efetiva”.

De acordo com a Portaria de Consolidação nº 5 de 28/09/2017, Art. 37, § 1º No caso de adição de flúor (fluoretação), os valores recomendados para concentração de íon fluoreto devem observar a Portaria nº 635/GM/MS de 26 de dezembro de 1975, não podendo ultrapassar o VMP expresso na Tabela do Anexo 7 do Anexo XX. (Origem: PRT MS/GM 2914/2011, Art. 37, § 1º)

O Ministério da Saúde recomenda os seguintes compostos (fluoreto de sódio; fluorita ou fluoreto de cálcio; ácido fluorossilícico; fluossilicato de sódio) e a opção por um desses produtos deverá levar em consideração alguns aspectos como o grau de solubilidade, o custo, o transporte, a estocagem, o manuseio e a eficácia.

Após todos os processos acima descritos, a última etapa no tratamento de água para abastecimento consiste na correção do pH.

Como se dá então a correção de pH?

A correção de pH consiste na adição de determinados produtos às águas de abastecimento, a fim de minimizar o seu efeito corrosivo.

A Cal hidratada ou hidróxido de cálcio é um produto químico utilizado no tratamento de água para correção do pH (potencial de hidrogênio). Durante o tratamento, a água entra em contato com produtos químicos que conferem característica de acidez à água e isso precisa ser corrigido.

O objetivo da adição da Cal no tratamento de água é estabilizar o pH para que fique o mais próximo do indicador 7. A Portaria de Consolidação nº 5 de 28/09/2017, no Art. 39, § 1º Recomenda-se que, no sistema de distribuição, o pH da água seja mantido na faixa de 6,0 a 9,5. (Origem: PRT MS/GM 2914/2011, Art. 39, § 1º)

Conclusão

A definição da tecnologia de tratamento deverá ir além das características, e de qualidade de água definida por ensaios no laboratório, e dos elementos de dimensionamento estabelecidos na NBR 12216 (NB592) de 04/1992 – Projeto de estação de tratamento de água para abastecimento público.

Deve, portanto, levar em consideração fatores, tais como: condições sócio-econômica da comunidade, disponibilidade de recursos próprios para a operação e manutenção e a escolha da melhor alternativa que conduza ao menos o custo sem, contudo, deixar de lado a segurança na produção de água potável.

Outro aspecto a ser considerado com relação às tecnologias de tratamento de água, e que, nos processos e operações utilizados, estes possam gerar resíduos sólidos, denominados de “lodos” e que, atualmente, vem gerando cada vez mais problemas para as companhias que gerenciam tais tecnologias.

Os lodos gerados devem ser devidamente tratados e dispostos sem provocar danos ao meio ambiente. Em algumas estações de tratamento de água, os lodos de ETAs têm sido dispostos em cursos de água sem nenhum tratamento. Todavia essa prática tem sido questionada pelos órgãos ambientais devido aos possíveis riscos à saúde pública e à vida aquática. 

Sendo assim, os lodos de ETAs precisam ser tratados e destinados adequadamente em aterros sanitários ou utilizados para fabricação de cimento, disposição no solo, cultivo de grama comercial, fabricação de tijolos, solo comercial, compostagem e plantações de cítricos.

Como você deve ter percebido, tratar água, para atender os Padrões de Potabilidade e torná-la potável, não é fácil. Requer grandes investimentos para construir estações de tratamento e comprar os insumos necessários para purificá-la, além de constantes análises laboratoriais para garantir que as normas de qualidade sejam sendo cumpridas. 

Daí a importância da preservação dos mananciais. Quanto mais livre de contaminação os mananciais estiverem submetidos, menores os custos com investimento em processos e tecnologias serão necessários para tornar a água potável. Pense nisso!