Lei do Inquilinato também sofre o impacto da pandemia

Gustavo Prata

Escrito por Gustavo Prata

28 de junho 2021| 14 min. de leitura

Compartilhe
Lei do Inquilinato também sofre o impacto da pandemia

Há muitas incertezas pairando sobre a Lei do Inquilinato desde o ano passado, aliás, como em tudo no País, devido à pandemia da Covid-19. Além de afetar a oferta e a procura, teve impacto ainda no regramento legal do setor,  estabelecido pela Lei Nº 8.245 de 18 de Outubro de 1991. Mais conhecida como Lei do Inquilinato, ela “dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes”. 

Esta lei representou um enorme avanço nas relações locatícias, estabelecendo com clareza os direitos e deveres das partes envolvidas, entre várias outras definições.

Mas o que aconteceu, então, para provocar o estremecimento destas regras?

Acontece que a Covid-19, além do caos na saúde pública, colocou em graves dificuldades de sobrevivência boa parte da população. 

Tentando proteger aqueles sem condições de manter o aluguel em dia, os legisladores aprovaram a Lei 14.010/20. No entanto, ela teve como efeito colateral criar dificuldades aos proprietários para a retomada de imóveis dos locadores inadimplentes. 

Não só isso: mais recentemente, uma nova lei foi aprovada na Câmara Federal, com o mesmo efeito, ao mesmo tempo em que o Supremo Tribunal Federal (STF) também expediu determinação suspendendo os despejos por seis meses.

Que confusão, você deve estar achando, não é mesmo? 

Para entender melhor tudo isso e se situar com o que está acontecendo, prossiga a leitura, pois vou explicar detalhadamente cada item desses.

Lei do Inquilinato atualizada

Em vigor desde 1991, após vários anos de muita discussão, a Lei do Inquilinato foi atualizada em 2012 e é uma verdadeira bíblia das locações no Brasil. Pode-se dizer que não falta praticamente nenhum detalhe no seu texto.

É de fundamental importância que todo envolvido numa relação de aluguel, seja proprietário, investidor, inquilino, conheça todas as suas normas. Assim, a relação das partes flui com mais tranquilidade, o planejamento da vida pessoal ou dos negócios fica mais fácil e livre de surpresas desagradáveis. 

Lei do Inquilinato atualizada

Veja de quanta coisa trata essa legislação: 

  • Devolução do imóvel
  • Rescisão do contrato
  • Direito de preferência
  • Benfeitorias
  • Garantias locatícias
  • Revisão do aluguel
  • Morte do locador ou locatário
  • Casos de separação ou divórcio
  • Ações de despejo
  • Rescisão do contrato
  • Direito de preferência
  • Benfeitorias
  • Garantias locatícias
  • Revisão do aluguel
  • Morte do locador ou locatário
  • Casos de separação ou divórcio

É uma legislação realmente completa, com aspectos que são mais tranquilos e outros, porém, que costumam ser os mais críticos nessa relação comercial.

Assim, vamos destacar o mais básico, a sua coluna mestra, que são os deveres de locadores e locatários.

São deveres do locador, conforme o artigo 22:

1 – Entregar ao locatário o imóvel alugado em estado de servir ao uso a que se destina;

2 – Garantir, durante o tempo da locação, o uso pacífico do imóvel locado;

3 – Manter, durante a locação, a forma e o destino do imóvel;

4 – Responder pelos vícios ou defeitos anteriores à locação;

5 – Fornecer ao locatário, caso este solicite, descrição minuciosa do estado do imóvel, quando de sua entrega, com expressa referência aos eventuais defeitos existentes;

E são deveres do locatário, segundo o artigo 23:

1 – Pagar pontualmente o aluguel e os encargos da locação no prazo estipulado ou, em sua falta, até o 6º dia útil do mês seguinte ao vencido;

2 – Servir-se do imóvel para o uso convencionado ou presumido, devendo tratá-lo com o mesmo cuidado como se fosse seu;

3 – Restituir o imóvel, finda a locação, no estado em que o recebeu, salvo as deteriorações decorrentes do seu uso normal;

4 – Levar imediatamente ao conhecimento do locador o surgimento de qualquer dano ou defeito cuja reparação a este incumba;

5 – Realizar a imediata reparação dos danos provocados no imóvel por si próprio ou por seus familiares, visitantes, dependentes e prepostos.

6 – Não modificar a forma interna ou externa do imóvel sem o consentimento prévio e por escrito do locador;

7 – Entregar imediatamente ao locador os documentos de cobrança de tributos e encargos condominiais, bem como qualquer intimação, multa ou exigência de autoridade pública, mesmo que sejam dirigidos ao próprio locatário;

8 – Pagar as despesas de telefone e de consumo de força, luz e gás, água e esgoto;

9 – Permitir a vistoria do imóvel pelo locador ou por seu mandatário, mediante combinação prévia de dia e hora;

10 – Cumprir integralmente a convenção de condomínio e os regulamentos internos;

11 – Pagar o prêmio do seguro de fiança;

12 – Pagar as despesas ordinárias de condomínio, isto é, os encargos necessários à administração do local

Artigo 59 da Lei do Inquilinato

Mas foi em relação ao artigo 59, que trata das ações de despejo que surgiram as maiores polêmicas, especialmente após entrar em vigor a Lei Nº 14.010 ou Lei da Pandemia, dia 12 de junho de 2020.

Ela estabeleceu o que se chamou de Regime Jurídico Emergencial e Transitório das relações jurídicas de Direito Privado (RJET), para este período excepcional que o País vive.

Suspensão de liminares 

A Lei do Inquilinato diz que será concedida liminar para o despejo do inquilino em 15 dias, independentemente da audiência da causa contrária, observadas algumas condições.

Entre elas, o descumprimento de mútuo acordo de desocupação, término do prazo de locação por temporada, necessidade de se produzir reparações urgentes no imóvel e, claro, falta de pagamento do aluguel.

Para a liminar, também não pode haver nenhuma garantia de aluguel, isto é, um fiador, caução ou seguro-fiança. 

A Lei do Inquilinato diz que será concedida liminar para o despejo do inquilino em 15 dias, independentemente da audiência da causa contrária, observadas algumas condições

Com a intenção de solucionar impasses em diversas áreas causados pela pandemia,  a Lei 14.010 criou exceções, suspendendo prazos e vários efeitos da legislação vigente. 

Permitiu, por exemplo, a prorrogação de mandatos de síndicos, assembleias virtuais, adiamento de inventários e a prisão por atraso de pensão alimentícia apenas em regime domiciliar.

No caso das locações, a Lei da Pandemia proibiu a concessão de liminares de despejo nos casos  encaminhados para resolução no Poder Judiciário. 

Isso caiu como uma bomba no mercado imobiliário, pois enquanto foi entendida, por um lado, como uma medida de proteção social, por outro, foi recebida como uma interferência no direito de propriedade. 

Outra reclamação muito forte foi no sentido de que não se observou que muitas pessoas têm nos imóveis locados sua única fonte de renda, entendendo-se a lei como um incentivo à inadimplência. 

Mas a vigência dessa lei, como estava previsto, acabou em 30 de outubro de 2020 e, embora houvesse dúvidas se poderia ser prorrogada, deixou de ter validade. Porém, outras novidades legais surgiram recentemente, trazendo de volta esse tema e mais incertezas ao setor.

Aumento de despejos 

À medida que transcorre a crise sanitária e seus efeitos econômicos, o seu tremendo impacto sobre as locações se torna mais evidente e inegável. Veja só este dado impressionante: 

Sem qualquer medida restritiva, os despejos em São Paulo aumentaram 79% no primeiro trimestre de 2021. 

O portal UOL apontou, com dados do Tribunal de Justiça de São Paulo, que foram registradas 8.417 ações de despejo de janeiro a março. No ano passado, tinham sido 4.696 no mesmo período.

O número, diz a notícia, começou a crescer em dezembro de 2020, quando o TJ-SP passou a registrar mais de duas mil ações desse tipo por mês. 

“As principais motivações são falta de pagamento, tanto em imóveis residenciais quanto comerciais. Há também os casos em que os imóveis são vendidos pelo proprietário, obrigando o inquilino a deixar o local….”

A Câmara Federal aprovou o projeto de lei 827/20 que proíbe o despejo ou desocupação de imóveis até o fim de 2021. 

Diante desta realidade, a Câmara Federal reagiu e, dia 18 de maio, os deputados aprovaram o projeto de lei 827/20 que proíbe o despejo ou desocupação de imóveis até o fim de 2021.

Mais que isso, o PL suspende todos os atos neste sentido praticados desde 20 de março de 2020, exceto aqueles que já foram concluídos.

O PL diz que “serão suspensos os efeitos de qualquer ato ou decisão de despejo, desocupação ou remoção forçada coletiva de imóvel privado ou público, urbano ou rural, seja os de moradia ou para produção”.

Assim como na Lei da Pandemia, está suspensa, até o final do ano, a concessão de liminares de despejo de imóveis urbanos. 

Neste caso, o inquilino precisa justificar que não está em condições de pagar o aluguel por estar desempregado ou devido à perda de renda decorrente da crise da Covid-19.

A medida não atinge, contudo, os proprietários que dependam do imóvel para sobreviver.

Já no caso de ocupações, a regra vale apenas para aquelas ocorridas antes de 31 de março de 2021 e não alcança as ações de desocupação já concluídas na data da publicação da futura lei. 

Falta agora, para que passe a vigorar, a aprovação do Senado, onde a proposta deve ser votada em breve.

STF intervém na questão

Por fim, o Supremo Tribunal Federal (STF) também decidiu entrar no jogo, respondendo à ação de um partido político (PSOL), que pediu a intervenção do órgão na questão. 

Dia 3 de junho, o ministro Luís Roberto Barroso (foto) determinou a suspensão por seis meses de despejos, desocupações e remoções forçadas de populações consideradas vulneráveis.

Ele também determinou a suspensão de despejo, sem defesa prévia, de pessoas que deixarem de pagar aluguel residencial e que estejam em situação de vulnerabilidade. Caberá aos juízes definir tal situação de vulnerabilidade em cada caso. 

Esta medida, em vigor, só não se aplica em três situações:

1- Quando a ocupação acontece em áreas sujeitas a deslizamentos, inundações e outros riscos iminentes aos seus moradores;

2- Quando a desocupação é necessária para o combate ao crime organizado;

3- Quando houver outra decisão do STF ou lei local que proporcione uma proteção mais abrangente a tais grupos vulneráveis. 

Diálogo e bom senso

Você deve estar querendo saber o que pode fazer o locador, então, em caso de atraso de aluguel prolongado. Nesta situação, os especialistas na matéria dizem que estão proibidas desocupações liminares, mas isso não impede a busca de solução pela via judicial.

Ainda são possíveis ações de despejo, inclusive, apenas poderão demorar mais tempo na sua tramitação.

Como você vê, a pandemia trouxe grande instabilidade também na área das locações, como em todas as demais áreas. Decisões como a dos deputados ou do STF podem ser questionadas, discutidas, mas não parecem ter solução a curto prazo.

As reclamações de locadores quanto à interferência em sua atividade econômica e o drama de locatários impossibilitados de cumprir seus compromissos devem persistir enquanto durar a pandemia. 

A melhor solução para esse tipo de conflito, a mais rápida e efetiva, continua sendo a busca do diálogo entre as partes e o bom senso. Assim como o apoio às medidas de prevenção e o incentivo à vacinação em massa, para que a pandemia passe logo e a vida possa, da melhor maneira possível, voltar à normalidade.

Espero que o artigo tenha sido útil para você, esclarecendo a situação atual da Lei do Inquilinato frente à crise sanitária. Deixe seu comentário, se for possível, e compartilhe com seus amigos, pode ser útil para eles também.