O administrador de empresas Eduardo Pricladnitzki, 31 anos, é sócio-fundador da Wikihaus, incorporadora sediada em Porto Alegre, Rio Grande do Sul.
Fundada em janeiro de 2014, a Wikihaus ganhou projeção nacional ao apostar na colaboração para construir empreendimentos residenciais e comerciais. Por meio de eventos de cocriação e dinâmicas de grupo que reúnem comunidade e especialistas, a empresa coleta diferentes pontos de vista para conceber seus produtos.
Essa metodologia de trabalho apontou tendências de consumo que tornaram a Wikihaus pioneira no desenvolvimento de projetos coliving no Brasil. O Cine Teatro Presidente, seu primeiro empreendimento do gênero, foi lançado em 2016, na capital gaúcha.
Nesta entrevista, Eduardo contou ao blog do Sienge um pouco de sua experiência à frente da Wikihaus.
Não perca!
SIENGE – Quais são os principais desafios de estar à frente de uma incorporadora em um cenário de tantas transformações sociais e econômicas?
E.P – Os desafios são imensos. Talvez o maior deles seja acompanhar as profundas transformações pelas quais as cidades estão passando. Precisamos posicionar nossa marca neste cenário e desenvolver produtos que consigam traduzir o comportamento e os anseios dos novos consumidores. Para tanto, é necessário projetar o olhar à frente. Uma forma de fazer isso é dialogar com consumidores jovens, que ainda não têm condições de adquirir um imóvel, visando fidelizá-los no futuro.
O segundo principal desafio, na minha opinião, é lidar com o ciclo entre a compra do terreno e a entrega do habite-se. Em Porto Alegre, esse período chega a cinco anos – em algumas praças pode durar mais, em outras menos. Levando em consideração que vivemos em um país com problemas econômicos graves e onde há muita incerteza em relação ao futuro, é evidente que, ao investir em projetos de longo prazo, as incorporadoras assumem riscos grandes, às vezes difíceis de calcular.
SIENGE – A Wikihaus possui um modelo de negócios inovador. Você pode nos falar um pouco sobre ele?
E.P – Talvez sejamos inovadores do ponto de vista do mercado imobiliário, que é muito conservador. Mas nosso modelo de negócios não é tão inovador assim quando analisamos outros setores.
Em meio às incertezas no cenário nacional, tínhamos a preocupação de poder aumentar ou diminuir nossa equipe de acordo com o momento econômico. Desde o início, pensamos em uma equipe totalmente enxuta e maleável, que tivesse condições de mudar de rumo quando necessário, mesmo em um mercado tradicional.
Além disso, nós, incorporadores, temos algumas limitações e vícios de pensar o mercado imobiliário. Nossa forma de tentar “sair um pouco da caixa” e encontrar soluções diferentes foi a colaboração. Hoje, além de enxuta, nossa equipe é extremamente colaborativa e código aberto. Isso permite que pessoas de fora da empresa participem da criação de produtos. Entendemos que assim conseguimos empoderar a população a desenvolver a cidade e, ao mesmo tempo, alcançamos resultados reais para a empresa.
SIENGE – O que os motivou a apostar na cocriação para a concepção de projetos?
E.P – Quando estruturamos a empresa, sentimos um grande distanciamento entre o mercado imobiliário e a população. No Brasil, a maioria das pessoas não têm orgulho das cidades em que vive e não gosta da forma como as incorporadoras se posicionam. As incorporadoras, por sua vez, nunca se esforçaram para estabelecer um diálogo com a população, mantendo distanciamento e mostrando uma solidez, por vezes, maior do que a necessária.
Então, decidimos dar a essas pessoas a oportunidade de participar do desenvolvimento do local em que vivem. Em contrapartida, encontramos por meio do processo de cocriação soluções que às vezes não acharíamos sozinhos. Tornou-se mais fácil traduzir em produtos o que esse novo consumidor pensa.
É preciso ter em mente que o comportamento do consumidor está mudando com uma velocidade nunca antes vista. Para não ficar para trás, as empresas precisam criar modelos para conseguir acompanhar de perto essas mudanças. A cocriação abre essa possibilidade e nos ajuda a fazer apartamentos que atendem de fato às necessidades dos clientes.
SIENGE – Qual é o público-alvo das cocriações da Wikihaus?
E.P – Até agora, a Wikihaus realizou duas cocriações. Elas eram voltadas a um público mais jovem, entre 20 e 35 anos. Acreditamos que essa geração exerce influência tanto sobre as gerações antigas quanto sobre as futuras. Por isso, sua opinião tem bastante peso quando se trata de desenvolver novos projetos.
SIENGE – Quais foram as principais tendências de consumo identificadas até agora? Como vocês procuraram contemplá-las nos seus lançamentos?
E.P – Hoje as pessoas estão querendo, cada vez mais, ter experiências e usufruir das coisas sem necessariamente imobilizar capital ou desperdiçar tempo com supérfluos. Trata-se de uma geração muito mais consciente, que não aceita desperdícios.
Para esse público, não há sentido em instalar mármore e lustre de cristal na entrada do prédio se passam por ali somente dois minutos ao dia. Eles querem que os investimentos sejam traduzidos em coisas realmente relevantes para suas vidas.
Além disso, esses novos consumidores veem a moradia como uma forma de expressão, como uma extensão de sua personalidade. Eles querem morar em um lugar que os represente.
Por isso, a arquitetura autoral está sendo cada vez mais valorizada. O nível de exigência do público de médio e alto padrão em relação à arquitetura mudou completamente, pois ele viaja muito ao Exterior e tem acesso ao que está acontecendo no mundo por meio de plataformas digitais.
Além disso, os novos consumidores são mais desapegados, valorizando mais o acesso do que a posse. Dessa forma, os clientes estão mais abertos à locação do que à aquisição de um imóvel. Essas pessoas querem mobilidade e liberdade para tomar decisões, já que não sabem se daqui a alguns anos ainda estarão morando na mesma cidade ou país.
Nesse contexto, adquirir um imóvel de R$ 600 mil ou de R$ 1 milhão representa criar raízes, algo que não combina com a chamada Geração Y. Então o imóvel para renda começa a ter mais aceitação do que o imóvel como forma de patrimônio.
SIENGE – Como está sendo a experiência de investir em produtos inovadores no setor da construção civil, conhecido por seu conservadorismo?
E.P – A experiência tem sido muito satisfatória, pois encontramos uma forma divertida de trabalhar no mercado imobiliário. Recebemos feedbacks positivos de todo o Brasil em relação a nossa abertura para inovação.
Mas estamos conscientes de que nossa visibilidade foi acima do comum justamente porque atuamos em um mercado atrasado no que se refere à inovação. Isso faz com que a introdução de qualquer novo conceito ou solução chame mais atenção do que em outros setores.
Mas o mais bacana é que, quando nos abrimos à inovação e decidimos ser uma empresa código aberto, passamos a conhecer pessoas diferentes, trocar informações e aprender muito. Isso oxigenou todos que trabalham na incorporadora.
SIENGE – Que mudanças no cenário nacional você considera fundamentais para o futuro da indústria da Construção?
E.P – A diminuição da burocracia ajudaria muito a impulsionar o setor. Em Porto Alegre, por exemplo, a prefeitura demora em média dois anos para liberar um projeto. Depois temos mais três anos para construção e comercialização das unidades.
As pessoas costumam reclamar do preço dos imóveis na ponta, mas precisam entender que tivemos de investir em um terreno e aportar um alto capital em um ciclo de cinco anos. Assim, o valor do dinheiro no tempo infelizmente acaba sendo repassado ao consumidor.
Se os órgãos públicos desburocratizassem esse processo, diminuindo o tempo para aprovação dos projetos, certamente o preço dos imóveis baixaria consideravelmente.