Obras públicas: legislação e controle externo

Alonso Mazini Soler

Escrito por Alonso Mazini Soler

6 de agosto 2017| 7 min. de leitura

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Nos últimos anos, de fato, muito tem sido feito em prol do amadurecimento e aprimoramento da eficiência da contratação e execução de obras públicas no País. Isso principalmente no que tange à proposição e aprovação de novas legislações, bem como a atribuição de novas e amplas responsabilidades e autoridade à órgãos de controle externo, tais como os TCEs, TCU, CGU, MPF etc.
Desde quando foi promulgada a Lei 8.666, em 1993, que instituiu normas para as licitações e contratos da Administração Pública, legislações complementares foram sendo incorporadas ao processo de contratações de obras públicas. Isso visando fortalecê-las através de maior isonomia, lisura e transparência. Nesse contexto, cita-se, por exemplo, a Lei 10.520/02 dos pregões eletrônicos; a Lei 12.462/11 do RDC (Regime Diferenciado de Contratações); a Lei 12.846/13 Anticorrupção; a Lei 13.303/16 das Estatais e alguns  Projetos de Lei em tramitação no Senado Federal, tais como o PLS 274/16 que regulamenta o Performance Bond ou o PLS 559/13 que revisa e amplia a Lei 8666/93.

Movimento regulatório

Certamente esse movimento regulatório tem sido pautado pela necessidade premente de reversão dos resultados negativos observados na execução de obras públicas. Estes, em sua grande maioria, têm revelado atrasos e sobrecustos vultosos, onerando a Administração e privando a sociedade de bens e direitos que lhe acometem.
Ato contínuo resultante desse movimento normativo legal, observa-se o enrijecimento da boa-fé e do bom senso nas relações entre contratantes públicos e empreiteiras privadas, delimitado pelo exclusivo cumprimento das cláusulas contratuais pactuadas (muitas vezes extremamente vagas) e das leis vigentes, tendo como pano de fundo o temor da fiscalização externa e da punição exemplar.
Vale lembrar que uma das características intrínsecas de qualquer grande obra de engenharia, ainda que profissionalmente planejada, bem controlada e bem fiscalizada, é a predisposição às incertezas, devido as complexidades inerentes não planejadas e, sequer, presumidas. Essa constatação exige, portanto, certa flexibilidade na relação contratual entre as partes, o que vem de encontro à postura rígida e intransigente das partes imposta pelo movimento em questão.    

Dualidade em obras públicas

Por um lado, novas leis e controles externos, soam bem como garantidores do ordenamento legal e da depuração dos resultados das obras. Por outro, tornam as partes do contrato, e seus representantes profissionais, reféns da complexidade, da interpretação subjetiva das leis e do possível viés jurídico e político, e não necessariamente técnico, que pode vir a pautar as conclusões dos auditores externos encarregados das obras.
Em suma, diante do enrijecimento das relações contratuais, o remédio que parecia ser adequado, em sendo administrado em dose extremada e desequilibrada, pode piorar o quadro e, até mesmo, matar o paciente – não se pode garantir melhores resultados das obras públicas num ambiente regulado ao extremo, pautado no medo e na punição.  

Ambiente conflituoso

Esse imbróglio, visto sob a ótica da técnica, tende a fomentar um ambiente conflituoso, insalubre e ineficaz a quem tenciona, de boa-fé, construir de deixar legados à sociedade.
Por exemplo, não há entendimento técnico razoável que justifique a obrigatoriedade do uso do pregão eletrônico, baseado no critério exclusivo de preço, para licitar algumas obras. Tampouco pode-se justificar tecnicamente a obrigação da utilização de composições unitárias de custos, padrão de rodovias e edificações, tais como o SICRO e o SINAPE, como referência orçamentária de editais e auditorias de obras especificamente distintas.
Não há como avaliar a qualidade dos projetos de engenharia básica, ainda que esse quesito já seja exigido de contratantes públicos desde 1993 pela Lei 8666. Tampouco, a Lei do RDC resolve esse problema ao delegar a elaboração do Projeto Básico de Engenharia à empreiteira executora da obra, considerando que o contratante, não dispõem de quadros técnicos para avalizar e autorizar esses projetos antes da construção.
Como agravante, o técnico responsável pela obra e sua equipe de fiscalização, representantes do contratante público, sentem-se acuados e desprotegidos para exercer o seu trabalho – se por um lado, são cobrados veementemente pelos resultados das obras, por outro lado, precisam estar atentos à interpretação jurídica e política que pautarão as auditorias dos órgãos de controle externo, algumas vezes precisando dispor de recursos próprios na preparação de suas defesas contra acusações desprovida de contextualização técnica.
Convivem sem o respaldo jurídico institucional do órgão público que representam e, tampouco, contam com o respaldo de seus conselhos de classe e sindicatos, pouco atuantes. Pese ainda a grande disparidade salarial entre os técnicos dos órgãos executores e seus assemelhados dos órgãos de controle externo.

Insegurança jurídica

Enfim, não há como produzir melhores resultados de obras se argumentos prioritariamente jurídicos interferem e se sobrepõem aos argumentos técnicos. Pelo contrário, o que se vê, cada dia mais, são menos obras sendo bem executadas tecnicamente e mais disputas encaminhadas aos tribunais judiciais e de arbitragem. Urge o retorno do bom senso e do equilíbrio entre a técnica e o controle. Deseja-se obras realizadas de modo eficiente e eficaz, que satisfaçam as necessidades da sociedade e que orgulhem aos profissionais que as executam.
Alonso Mazini Soler, Doutor em Engenharia, Professor do Insper – alonso.soler@schedio.com.br e
Juliana Prado Costa, PMP, Engenheira de Produção Civil – julianaprado@gmail.com