Diretores de Construção: se querem transformar sua empresa, saiam do ar condicionado e vão capacitar sua equipe na obra

Luiz Henrique Ceotto

Escrito por Luiz Henrique Ceotto

21 de setembro 2017| 16 min. de leitura

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Diretores de Construção: se querem transformar sua empresa, saiam do ar condicionado e vão capacitar sua equipe na obra

Caros diretores de construção, tem existido uma enorme confusão onde “entendidos” em recursos humanos proclamam que diretores de construção não devem se meter em “assuntos operacionais de obra”, mas se preocupar somente com “assuntos estratégicos” e isso daria oportunidade de sua equipe crescer. Embora tenha um leve fundo de verdade, essa afirmação é uma grande bobagem, e tem causado estrago no desenvolvimento de várias construtoras.
Já vi vários diretores de construção se envolvendo em assuntos de obra de maneira totalmente errada e atabalhoada. Nesses casos o diretor age na obra pulando a cadeia de comando, dando ordens diretas aos demais engenheiros e mestres, minando a liderança do gerente da obra, focando em resolver o problema em si, de forma pontual e sem atacar as causas-raiz, sem se preocupar em capacitar e fazer crescer a equipe. Não é desse tipo de atuação a que me refiro.

Exemplo real de atuação de diretores de construção

Para simplificar, vou dar um exemplo real, dos inúmeros que já vivi nos meus anos atuação junto aos canteiros de obra.
Recentemente, como responsável por contratar e gerenciar obras em uma grande incorporadora, tinha reuniões semanais de acompanhamento de obra. Nessas reuniões se constatou que as metas planejadas de diversos serviços nunca eram alcançadas, em particular os serviços de montagem das paredes internas em drywall eram os mais defasados. Toda semana, novos replanejamentos eram feitos, mas nem de longe as metas eram cumpridas. Medidas “mitigadoras” eram genericamente planejadas e exigidas do empreiteiro, mas dificilmente as promessas de recuperação atingiam 50% do replanejado. Também a qualidade das paredes estava muito ruim além de muitas frentes inacabadas. Nessas reuniões havia muita pressão do diretor de construção da construtora sobres seus gerentes e sua equipe administrativa, e também sobre o empreiteiro. A desculpa era sempre a mesma: “Dotô, fica tranquilo que “tô” trazendo uma turma boa de outra obra que está terminando e a produção vai está “nos trinques” em duas semanas”. E o gerente da obra falava para o empreiteiro: “Fulano, confio em você!!! Você nunca me deixou na mão!!! Não é agora que você vai aprontar comigo!!! E “vamu qui vamu”!!!
As tais duas semanas se passavam e nada melhorava, e a pressão aumentava. A montagem do drywall que no planejamento não era atividade crítica, agora já estava no caminho crítico.
Sugeri que resolvêssemos juntos o problema, aproveitando a experiencia de todos. Na solução de problemas, propus usar uma técnica muito simples criada pelo fundador da Toyota Motor Corporation, Sakichi Toyoda, chamado 5W ( 5 “Why”s). A ideia é encadear logicamente em relação causa-efeito no mínimo 5 “Whys” (Porques, em inglês) para atingir a causa-raiz de um problema. Com menos que 5 “Why” você até pode até resolver o problema, mas sem atingir sua “causa raiz”. É muito comum confundirmos o problema com alguma causa intermediária encontrada se forem usados menos que 5 niveis de “Whys”.
Assim, em vez de ficarmos discutindo as causas no ar-condicionado da sala de reuniões, iniciamos uma cuidadosa inspeção no canteiro em tudo que se relacionava com as paredes de drywall. As questões levantadas de forma resumida foram:
Problema aparente: As paredes de drywall estavam sendo montadas com baixa velocidade de produção (menos de 50% da planejada) e qualidade insatisfatória (placas de gesso com bordas machucadas, apresentando manchas de humidade e montantes amassados). Também os serviços apresentavam falta de terminalidade e ausência de uma “frente de serviço” clara nos pavimentos.

1º Why: Porque a velocidade de produção está tão baixa?

Questionando o empreiteiro e seu encarregado, no local de produção, ficou claro que havia uma clara confusão entre o conceito de velocidade de produção com produtividade. Não havia uma métrica de produtividade estabelecida. Embora houvesse alguma leve ideia, não estava explicito de forma numérica quanto cada operário conseguia produzir em quantidade de perfis por dia, a quantidade de placas de gesso capazes de serem fixadas nos perfis nesse mesmo período ou mesmo a quantidade de metros de fitas de união e acabamento entre chapas. Tinham uma vaga ideia a respeito mas não estava registrado em qualquer lugar. Também as quantidades desses serviços por pavimento sequer estavam bem quantificados. Dessa forma, as equipes foram formadas sem uma métrica e estavam mal dimensionadas, insuficientes e desequilibradas. Sobrava operários nos serviços de perfis e faltava nos de fita e acabamentos. Como também não havia acompanhamento sistemático a produtividade as equipes não eram avaliadas e corrigidas de forma sistemática.
Também notamos que a velocidade de abastecimento de chapas e perfis era muito baixa e com isso eram deslocados pessoal de fixação de chapas e fita para ajudar no transporte, agravando ainda mais a velocidade de produção. Numa rápida observação foi visto que as chapas e perfis eram transportados e descarregados soltos, um a um, num processo pouco produtivo. Também o treinamento dos operários era pouco consistente e muito limitado. O encarregado do empreiteiro não tinha a mínima ideia de como analisar e planejar os serviços.

2º Why: Porque tamanha deficiência de condições de trabalho nas frentes de serviço?

Sabemos que, pelo menos 5 condições básicas devem ser garantidas na frente de serviço de qualquer atividade para obtermos produtividade:

  • Processo de trabalho bem definido com toda a sequência de etapas e trajetória dos serviços no pavimento e nos andares. Cada etapa com sua métrica de velocidade diária bem estabelecida e entendida.
  • Condições de início bem estabelecidas e claras (atividades predecessoras concluídas).
  • Pessoal bem treinado e em quantidade suficiente para o trabalho.
  • Ferramentas e equipamentos corretos e em quantidade suficiente.
  • Todo material necessário disponível nos lugares combinados e na hora certa.
  • Local de descarte de sobras (contêineres de lixo) e com equipes de remoção nos horários determinados.
  •   Processo de controle de produção e de qualidade proativa e sabendo claramente os controles e registros relevantes que precisam ser feitos.

Infelizmente a totalidade desses itens não estavam claramente definidos, mas vagamente e implicitamente “combinados”. Também não havida controle sistemático desses itens embora houvessem preenchidos e assinados as famosas “Fichas de Verificação de Serviços”. A conclusão era simples: não havia tido planejamento adequado e muito menos processo de controle e replanejamento aderente com a realidade. O controle era simplesmente um processo burocrático para o cumprimento de um “Plano de Qualidade” estabelecido no contrato com a construtora. A principal desculpa era que isso era responsabilidade do empreiteiro, e que ele era o “especialista” contratado para o serviço e não da equipe administrativa da obra.

3º Why: Porque as chapas chegavam com as bordas danificadas e os perfis amassados?

Ao observarmos a chegada do material paletizado vimos que os paletes eram desmontados perto da entrada do elevador de obra assim como o fardo de perfis. Isso desprotegia as placas e perfis que batiam nas portas dos elevadores ou friccionavam com as partes internas da gaiola. Também o transporte no andar era feito individualmente e manualmente, armazenando-os de qualquer forma em cada etapa do transporte, inclusive em áreas que recebiam respingos de chuva. A explicação foi que os paletes eram muito pesados e não tinham como serem abastecidos no elevador cremalheira e muito menos retirados do elevador no andar de destino. Perguntamos porque os paletes não foram encomendados no tamanho certo (bem menores) para serem usados carrinhos paleteiros e assim sem a necessidade de desmonta-los e desprotegendo-os na operação de subida. A fábrica de drywall disponibilizava essa possibilidade embora com um custo ligeiramente mais alto. Embora todos esses detalhes tivessem sido previstos na fase de pré-construção, como a equipe de obra e de pré-construção eram diferentes esses “detalhes” foram perdidos em relatórios não lidos, ficarando “por conta do empreiteiro”, afinal era o “especialista” nesse serviço.

4º Why: Porque todo o trabalho de pré-construção foi abandonado pela equipe de obra e tudo foi deixado sob responsabilidade do empreiteiro, o tal “especialista” no serviço?

Aqui começamos a sair das questões operacionais e entrar nas questões estratégicas e a nos aproximarmos das causas-raiz.
Havia uma falta clara de entendimento por parte das equipes de produção da importância do planejamento gerado na pré-construção e da necessidade de usá-lo e aperfeiçoa-lo durante a construção. Havia também uma grande falta de capacitação da equipe gestora no uso das ferramentas de planejamento e controle desenvolvidas na fase de pré-construção. Mesmo o gerente de contrato não tinha formação solida em planejamento, tendendo a levar todos os assuntos de obra de forma desorganizada e voluntarista. A maioria das informações era “registrada” em sua cabeça, pouca coisa era dividida com sua equipe e não era cobrado o controle e replanejamento em bases mensuráveis e coordenadas. O argumento do gerente e que era disseminado em toda sua equipe era que “contratei parede pronta e só vou pagar parede pronta! O prejuízo é do empreiteiro pois não vou receber serviço mal feito”!!! É interessante notar que não ocorreu a ele que ao ter que refazer perto de 40% das paredes haveria um atraso enorme na obra, atingindo serviços subsequentes. Também não lhe ocorreu que o empreiteiro provavelmente não teria como honrar seu contrato com prejuízos dessa monta, o que de fato ocorreu.

5º Why: Porque a estrutura gerencial da construtora permitiu que isso acontecesse?

Nesse ponto atingimos finalmente a causa raiz. Foi facilmente visto que o diretor de construção e seus coordenadores, embora experientes, estavam distantes dos assuntos de obra. Esse tipo de problema estava acontecendo em outras obras também, indicando uma falta de prioridade da construtora com sua eficácia e agilidade. A cultura de “empurrar para o empreiteiro” toda responsabilidade permeava em todas as obras e todos os níveis hierárquicos. Eu conhecia muito bem a empresa e não pairava a mínima dúvida de seu bom DNA. Mas como a atividade de construir no Brasil é desnecessariamente muito complexa e cheia de riscos, atenção prioritária do diretor e coordenadores era no controle de custos, o fechamento financeiro das contratações e as medições para faturamento das etapas do contrato. Dessa forma, a equipe de obra prestava muito mais atenção nesses itens do que planejar e gerir os problemas da produção. Preocupados com itens comerciais e financeiros, não sobrava tempo para os diretores de construção resolverem os problemas de organização da empresa e da capacitação da empresa dentro dessa organização. Mesmo os diretores de construção não tinham consciência dessa necessidade. Esse processo permitiu a empresa redirecionar suas prioridades e a cobrir deficiências que estavam comprometendo sua eficácia num trabalho de mais longo prazo.
O caso citado não foi o primeiro nem o ultimo que vivenciei. Essa situação aconteceu diversas vezes em várias obras e com várias construtoras durante meus vários anos de construção. Não estou exagerando ao dizer que essa situação é predominante no setor, mesmo que os diretores de construção das empresas não reconheçam e verbalizem o contrário.
Problemas na engenharia acontecem o tempo todo e para isso que temos pré-construção, processos de planejamento e de controle. O uso inteligente desses processos é que permitem minimizarmos esses transtornos e reduzirmos os riscos que temos ao perseguir nossas metas além de manter as empresas ágeis e eficazes.
Para finalizar, acho importante mencionar 5 dicas que aprendi na minha vida profissional como diretor de empresas:

  • Se um problema foi suficientemente grande ou repetitivo para chegar até você, não perca a oportunidade de usar o seu processo de solução para capacitar sua equipe. É importante estar consciente que capacitação não é intervenção desastrada e traumática. Se uma intervenção for justificável significa que você deixou o problema ir longe demais.
  • É impossível analisar um problema de sua cadeira ou da sala de reuniões. Normalmente os envolvidos não conseguem lhe passar o problema como ele realmente é. Lembre-se que “o essencial é invisível para os olhos”. Problemas tem que ser resolvidos diretamente no local da produção, analisando a operação em cada etapa, com muita observação e calma, com o envolvimento e respeito de toda equipe, inclusive com a equipe dos empreiteiros.
  • Vale a pena usar a regra dos 5 Whys para ajudar a chegar nas causas-raiz. É um processo muito simples e eficaz.
  • Máxima atenção em não terminar a análise sem atingir as causas-raiz. A tendência de querer se livrar rapidamente do problema é natural, mas se as causas-raiz não forem encontradas, esse problema vai ressurgir constantemente em vários lugares e sua empresa não vai evoluir e se tornar mais competitiva. Muito cuidado com as “respostas fáceis”.
  • A maioria dos problemas operacionais tem origem em causas-raiz que tem a ver com a organização e prioridades estratégicas da própria empresa. Essas causas-raiz só poderão ser resolvidas pelos diretores de construção, os quais são os responsáveis junto aos acionistas pela saúde e melhoria continua dos fundamentos da sua empresa.