Manual do conforto térmico: Conheça estratégias para seu projeto

Natália Lange Pinho

Escrito por Natália Lange Pinho

28 de agosto 2023| 17 min. de leitura

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Manual do conforto térmico: Conheça estratégias para seu projeto

O conforto térmico é um dos pilares fundamentais para criar ambientes internos agradáveis e saudáveis. Trata-se do equilíbrio entre as condições ambientais de um espaço e as necessidades térmicas do corpo humano. Em um país tão extenso e diversificado como o Brasil, entender os meandros do conforto térmico e aplicá-los adequadamente na arquitetura é crucial para a saúde, bem-estar e satisfação dos ocupantes de uma edificação.

O Brasil é dotado de uma variedade climática única. Desde a umidade da Amazônia, o calor do Nordeste, o clima temperado do Sul até as peculiaridades do Centro-Oeste e Sudeste, os desafios para manter edificações termicamente confortáveis são muitos. Contudo, esse também é um cenário repleto de oportunidades para inovações e soluções arquitetônicas.

A relevância do conforto térmico em arquitetura vai além do bem-estar. Uma edificação adequadamente projetada do ponto de vista térmico pode gerar economia de energia significativa, reduzindo a necessidade de climatização artificial e, por consequência, diminuindo a pegada ecológica do edifício. No contexto brasileiro, onde o consumo de energia e a busca por soluções sustentáveis estão em constante debate, o design arquitetônico focado no conforto térmico assume uma posição de destaque.

Neste artigo, exploraremos as diversas zonas climáticas do Brasil e discutiremos como os projetistas podem abordar o conforto térmico em seus projetos, garantindo que os edifícios sejam não apenas esteticamente agradáveis, mas também funcionalmente eficientes e adaptados às necessidades específicas de seu contexto regional.

O que é conforto térmico?

”Conforto térmico é o estado mental que expressa satisfação do homem com o ambiente térmico que o circunda”. Essa é a definição mais difundida no meio técnico, encontrada na norma técnica Ashrae 55 – Thermal environmental conditions for human occupancy, da American Society of Heating, Refrigeration and Air Conditioning Engineers.

O conceito de conforto térmico, dessa forma, é na verdade uma combinação complexa de vários fatores que influenciam a percepção humana. Estes fatores incluem a temperatura do ar, a temperatura radiante média, a umidade, a velocidade do ar, o vestuário e a atividade metabólica. Cada indivíduo pode perceber o conforto térmico de forma diferente com base em seus próprios fatores biológicos, experiências anteriores e expectativas, tornando o conforto térmico uma questão subjetiva em muitos aspectos.

Por essa razão, projetar para o conforto térmico não se resume apenas a atingir uma determinada temperatura ambiente. É uma abordagem holística que visa criar um equilíbrio entre as condições ambientais e as necessidades e preferências dos ocupantes.

Variáveis de conforto térmico

O conforto térmico é uma interação complexa de fatores ambientais e humanos. O reconhecimento e a consideração destas variáveis são essenciais para projetistas e arquitetos que buscam criar espaços que atendam às necessidades térmicas dos seus ocupantes.

Existem diversas variáveis que interagem e influenciam na percepção de conforto de uma pessoa. Entender estas variáveis é essencial para criar ambientes internos confortáveis e saudáveis. A seguir, apresentaremos as principais variáveis envolvidas:

1. Temperatura do ar

É a medida mais óbvia e direta relacionada ao conforto térmico. Temperaturas extremamente altas ou baixas podem causar desconforto e até mesmo riscos à saúde.

2. Temperatura radiante média

Os corpos emitem radiação, e a temperatura radiante média é a média ponderada das temperaturas de todas as superfícies que circundam uma pessoa em um espaço. Por exemplo, mesmo com uma temperatura do ar agradável, uma grande janela sob sol direto pode elevar a temperatura radiante, causando desconforto.

3. Umidade relativa

Refere-se à quantidade de umidade presente no ar. Ambientes muito úmidos podem dificultar a evaporação do suor, enquanto ambientes muito secos podem ressecar a pele e as vias respiratórias.

4. Velocidade do ar

O movimento do ar pode ter um efeito de resfriamento, especialmente em temperaturas mais elevadas. Em climas quentes, uma brisa pode aumentar significativamente o conforto térmico. No entanto, em ambientes frios, a mesma brisa pode causar uma sensação de frio cortante.

5. Vestuário

A quantidade e o tipo de roupa que uma pessoa está usando têm um impacto significativo sobre a sensação térmica. Roupas pesadas e isolantes são adequadas para climas frios, enquanto roupas leves e respiráveis são preferíveis em climas quentes.

6. Atividade metabólica

A atividade física influencia a produção de calor do corpo. Pessoas em repouso produzem menos calor do que aquelas que estão realizando atividades físicas intensas. Por isso, a mesma condição ambiental pode ser percebida de maneira diferente por pessoas em diferentes níveis de atividade.

7. Adaptação e expectativa

A percepção do conforto térmico também é influenciada pela experiência anterior e pela expectativa das pessoas. Por exemplo, alguém que está acostumado a um clima quente e úmido pode sentir frio a 20°C, enquanto outra pessoa de uma região mais fria pode considerar essa mesma temperatura confortável.

Panorama climático do Brasil

O território brasileiro, em sua vasta extensão, abriga uma multiplicidade de zonas climáticas, reflexo da combinação entre latitude, altitude, topografia e correntes oceânicas. Entender essas zonas é fundamental para abordar adequadamente o conforto térmico nas edificações.

Dada a variedade climática, fica evidente a necessidade de uma abordagem diferenciada em termos de design arquitetônico para cada região. As estratégias que funcionam bem em uma zona climática podem não ser tão eficazes em outra, tornando o panorama climático do Brasil um desafio intrigante e recompensador para os profissionais de arquitetura.

Vamos conhecer as características das principais zonas climáticas do Brasil.

Zona Tropical

Onde ocorre: Predominante na maior parte do país, englobando o Centro-Oeste, parte do Norte, Nordeste e Sudeste.

Características:

  • Temperaturas médias: Acima de 18°C em todos os meses do ano na maior parte do território. Algumas regiões apresentam temperaturas médias entre 15°C e 18°C em pelo menos um mês do ano.
  • Umidade: Média a alta, com estação seca bem definida.
  • Radiação solar: Intensa, principalmente durante o verão.

Zona Subtropical

Onde ocorre: Regiões Sul e parte do Sudeste, particularmente nos estados do Paraná, Santa Catarina e Rio Grande do Sul.

Características:

  • Temperaturas médias: Variam entre 10°C no inverno e 25°C no verão.
  • Umidade: Média a alta, com chuvas bem distribuídas ao longo do ano.
  • Radiação solar: Moderada, com invernos mais frios e possibilidade de geadas.

Zona Semiárida

Onde ocorre: Parte do Nordeste, especialmente no sertão.

Características:

  • Temperaturas médias: Acima de 18°C em todos os meses do ano.
  • Umidade: Baixa, com períodos prolongados de seca.
  • Radiação solar: Muito intensa, exigindo estratégias específicas de sombreamento e ventilação.

Zona Equatorial

Onde ocorre: Região Norte, englobando a floresta Amazônica.

Características:

  • Temperaturas médias: Acima de 18°C em todos os meses do ano.
  • Umidade: Altíssima, com chuvas frequentes e clima constantemente úmido.
  • Radiação solar: Intensa, mas muitas vezes atenuada pela densa cobertura vegetal da região.

Materiais e acabamentos para conforto térmico em edificações

Os materiais e acabamentos desempenham um papel crucial na estratégia de conforto térmico. No entanto, é importante que os arquitetos considerem o contexto regional, as condições climáticas e as necessidades específicas do projeto ao fazer suas escolhas, garantindo um design que seja tanto funcional quanto esteticamente agradável

Um dos conceitos importantes a considerar é a inércia térmica, isto é, a capacidade de um material em acumular calor e liberá-lo lentamente. Materiais com alta inércia térmica, como concreto, pedra e tijolo maciço, podem absorver calor durante o dia e liberá-lo durante a noite, ajudando a regular a temperatura interna. Em climas quentes, essa capacidade pode ser aproveitada para reduzir os picos de temperatura interna durante o dia. Em climas mais frios, a inércia térmica pode ajudar a reter o calor gerado durante o dia para mantê-lo durante a noite.

Além disso, o projeto deve garantir o conforto térmico por meio da seleção e da especificação de materiais e sistemas construtivos adequados para as edificações. Veja algumas delas.

Telhas cerâmicas

Tradicionais em muitas regiões brasileiras, as telhas cerâmicas possuem boa inércia térmica e podem ajudar a regular a temperatura interna, especialmente quando combinadas com um bom isolamento.

Tintas refletivas

Estas são tintas especiais projetadas para refletir mais luz solar do que as tintas comuns. Ao fazer isso, elas reduzem a quantidade de calor que é absorvido pela edificação, contribuindo para ambientes mais frescos. São particularmente úteis em telhados e fachadas expostas ao sol intenso.

Pisos de alta inércia térmica

Pisos feitos de materiais como pedra, cerâmica e concreto podem ajudar a moderar as temperaturas internas, especialmente quando expostos à radiação solar direta, como em varandas e terraços.

Isolantes térmicos

Materiais como lã de rocha, lã de vidro e poliestireno expandido, quando incorporados nas paredes, tetos e pisos, ajudam a isolar o ambiente interno das variações de temperatura externa, promovendo um conforto térmico superior.

Vidros de performance térmica

Estes vidros são projetados para reduzir a quantidade de radiação solar que penetra no espaço interno, seja refletindo-a ou absorvendo-a. São eficazes em reduzir o ganho de calor em ambientes internos, especialmente em fachadas voltadas para o oeste e norte.

Telhados verdes

A instalação de jardins no telhado pode ajudar a reduzir o ganho de calor, já que a vegetação absorve a radiação solar e evapora a água, causando um efeito de resfriamento.

Microclima Local

O microclima de uma área refere-se às condições climáticas específicas de uma pequena área, muitas vezes influenciada por características locais, como vegetação, corpos d’água, e edificações.

Em um ambiente urbano, é vital considerar o microclima ao projetar espaços para garantir o conforto e bem-estar dos ocupantes. Neste contexto, dois componentes essenciais que podem ser usados para modulação e melhoramento do microclima são o paisagismo externo e o design biofílico.

Paisagismo

O paisagismo, quando bem planejado, não só embeleza um espaço, mas também desempenha um papel vital na modulação das condições climáticas.

  • Árvores e arbustos: Plantadas estrategicamente, podem oferecer sombra crucial para edifícios e espaços ao ar livre, reduzindo o ganho de calor. Além disso, arbustos e vegetação rasteira têm o potencial de sombrear superfícies pavimentadas e minimizar o efeito “ilha de calor”.
  • Pergolados e treliças: Estas estruturas, quando revestidas com vegetação trepadora, criam barreiras solares, gerando espaços sombreados ideais para relaxamento.
  • Corpos d’água: Elementos como lagos, lagoas e fontes, além de esteticamente agradáveis, contribuem para o resfriamento do ambiente através da evaporação, oferecendo um contraponto ao calor em áreas urbanas.

Design biofílico

O design biofílico integra a natureza ao ambiente construído, não apenas por razões estéticas, mas também para promover uma conexão mais profunda entre os ocupantes e o mundo natural.

  • Jardins verticais: Além de seu apelo visual, estes jardins funcionam como isolantes térmicos naturais, protegendo as edificações da absorção excessiva de calor.
  • Jardins internos: Pátios, átrios ou pequenas áreas ajardinadas oferecem um oásis de calma e conexão com a natureza. Além dos benefícios psicológicos e estéticos, também podem introduzir umidade no ambiente e fornecer sombreamento natural, contribuindo para o conforto térmico.
  • Materiais naturais: A utilização de materiais como madeira, pedra e outros elementos da natureza em interiores reforça a conexão com o ambiente externo, enquanto modula as condições térmicas internas.
  • Elementos de água internos: A presença de fontes, aquários ou pequenas cascatas em espaços internos não só oferece um elemento calmante, mas também pode ajudar a moderar a umidade do ambiente.
  • Vistas e acessos à natureza: Janelas amplas, terraços e varandas que proporcionam vistas claras da vegetação ou corpos d’água têm um impacto positivo na psicologia dos ocupantes e, simultaneamente, permitem a ventilação natural e a moderação térmica.

Ventilação cruzada

A ventilação cruzada é uma estratégia que aproveita as correntes de ar para resfriar e ventilar espaços internos de edificações. Em essência, ela ocorre quando aberturas opostas (janelas, portas ou outros vãos) permitem que o ar flua livremente através de um espaço.

Entre seus benefícios estão:

  • Resfriamento natural: A circulação do ar auxilia na dissipação do calor acumulado dentro dos espaços, proporcionando um ambiente mais fresco sem a necessidade de sistemas mecânicos de refrigeração.
  • Qualidade do ar: A renovação constante do ar interno reduz a concentração de poluentes e melhora a qualidade do ar, proporcionando um ambiente saudável para os ocupantes.
  • Economia energética: Ao minimizar a dependência de sistemas de ar-condicionado, a ventilação cruzada pode levar a uma significativa economia de energia.

Cuidados com as aberturas

Para maximizar a eficácia da ventilação cruzada, é crucial considerar a direção predominante dos ventos na localidade. As aberturas devem ser posicionadas de forma a captar e direcionar essas correntes de vento.

A disposição do mobiliário e o layout interno devem ser projetados de forma a não obstruir o fluxo de ar. Espaços abertos ou semiabertos tendem a favorecer a ventilação cruzada.

Mas é importante prestar atenção às limitações dessa estratégia. Em áreas de alta poluição sonora, por exemplo, a ventilação cruzada pode introduzir ruídos indesejados. Além disso, em regiões com altos níveis de poluição do ar ou presença de insetos, é necessário incorporar soluções como telas ou sistemas de filtragem.

Conclusão

O conforto térmico, como evidenciado ao longo deste manual, não é meramente um aspecto técnico a ser considerado na arquitetura, mas um componente intrínseco ao bem-estar, à saúde e à experiência de quem habita ou utiliza um espaço.

O Brasil, com sua vasta diversidade climática, oferece desafios particulares nesse campo, mas também uma rica paleta de oportunidades para a inovação e adaptação de soluções. O entendimento das variáveis envolvidas, a escolha criteriosa de materiais e acabamentos, e a consideração do microclima são aspectos vitais para se alcançar o equilíbrio desejado.

Mais do que nunca, em uma era de crescente conscientização ambiental e busca por sustentabilidade, projetar com foco no conforto térmico é um compromisso que transcende a estética, abraçando a funcionalidade, a economia e a responsabilidade ecológica.