E se a gente estimasse os custos de construção como a NASA estima os custos dos projetos espaciais?

Flávia Lima

Escrito por Flávia Lima

4 de setembro 2018| 7 min. de leitura

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Você já deve ter passado pela situação de cogitar construir algo e desejar saber quanto a obra custaria quando isso era ainda uma suposição. Você não está sozinho, todo mundo passa por isso. Seja uma família que planeja a construção da própria casa, seja um empreendedor que faz negócios imobiliários ou uma prefeitura que precisa de um edifício institucional, como uma escola ou um hospital.

Mas o que todos eles vão ouvir é que para ter uma estimativa precisa é necessário ter um projeto detalhado porque, com exceção dos projetos padronizados, as edificações são únicas e são muitas as variáveis que influenciam no custo de construção. Mas para ter um projeto detalhado é necessário investir tempo e dinheiro.

Sabe quem passa por um problema igual? A NASA.

Os projetos espaciais são ainda mais singulares que os projetos de edificação e as variáveis são inúmeras. Não existe projeto espacial padronizado. Quando cogita-se um novo projeto espacial é necessário estimar os seus custos para tomar a decisão de desenvolve-lo ou não. Mas para saber os custos precisariam desenvolver o projeto. Muito parecido com o que passamos na construção civil!

O problema é o mesmo, mas a solução é bem diferente. Na construção civil o recurso utilizado na fase de concepção dos projeto é a estimativa por analogia com experiências prévias. Tal experiência, no entanto, é normalmente acessada de forma não sistematizada, muitas vezes apoiada no conhecimento tácito das equipes de engenharia. Apesar de ágil, a estimativa por analogia é pouco precisa. A NASA utiliza e recomenda os modelos paramétricos probabilísticos para estimar os custos nessa fase.

Na publicação NASA Cost Estimating Handbook, aponta que uma das forças da metodologia é a substituição dos “achismos” por reais observações. Por resultar estimativas precisas e ágeis, os modelos paramétricos probabilísticos possibilitam as análise de “what if” (e se), comparando os custos e benefícios de diversos cenários em busca da melhor solução para o projeto.

As estimativas paramétricas são resultado de uma metodologia de estimativa de custos usando relações estatísticas entre custos e outras variáveis do projeto. A suposição implícita na estimativa paramétrica de custos é que as mesmas forças que afetaram o custo no passado afetará o custo no futuro. Para identificar essa relação é feita uma análise de regressão. O principal objetivo da análise de regressão é gerar uma equação que representa uma relação entre uma variável “dependente” para uma ou mais variáveis “independentes”, de modo que:

* O valor da variável dependente, designado pelo símbolo Y, é calculado;

* O (s) valor (es) da (s) variável (s) independente (s), designada (s) pelo símbolo X, é conhecido; e

* A relação resultante entre Y e X pode ser descrita matematicamente.

A variável dependente Y geralmente representa o custo, enquanto a variável independente X representa o (s) parâmetro (s) do projeto em análise.

Em minha pesquisa de mestrado no Programa de Engenharia de Produção da COPPE/UFRJ, desenvolvi uma metodologia de modelagem paramétrica probabilística, nos mesmos moldes da utilizada pela NASA, para a estimativa de custos de construção. Denominada Custo Unitário Geométrico, a metodologia se propõe a explicar a variabilidade da amostra (projetos e respectivos custos), ao invés de restringir a variabilidade por meio de classificações tipológicas, prática convencional utilizada no mercado. A modelagem é feita em quatro etapas:

  1. Análise qualitativa da amostra para identificar potenciais variáveis explicativas;
  2. Levantamento das potenciais variáveis explicativas;
  3. Tratamento estatístico por regressão linear múltipla para identificar os parâmetros populacionais das variáveis explicativas, testar a significância das variáveis e identificar eventuais outliers;
  4. Retroalimentação dos dados da amostra no modelo obtido para testar o seu poder de explicação.

Uma vez construído e testado o modelo, basta que se informe os parâmetros do projeto em desenvolvimento para que se conheça instantaneamente os custos prováveis para ele.

A maior resistência do mercado da Construção Civil à adoção da modelagem paramétrica probabilística é a confiança das empresas em suas bases de dados. Essa desconfiança precisa ser superada, já que na modelagem estatística outliers são facilmente identificados. Na experiência que tivemos em um modelo desenvolvido para a incorporadora de uma das maiores construtoras do país, o tratamento estatístico apontou outliers relacionados a problemas de apropriação de custos que a equipe envolvida na modelagem inicialmente desconhecia.

Acesse o link da dissertação e conheça a metodologia em detalhes. No estudo é apresentado o passo a passo de um modelo utilizando os projetos de referência do CUB.

Acesso à publicação Nasa Cost Estimating Handbook

Acesso à dissertação de mestrado da COPPE/UFRJ.

 

Flávia Lima é Arquiteta e Urbanista pela FAU/UFRJ + Universidade do Porto. Mestre em Engenharia de Produção (COPPE/UFRJ). Doutoranda em Arquitetura (PROARQ/UFRJ)
Sócia fundadora da CUG Consultoria, startup residente da Incubadora de empresas da COPPE/UFRJ (www.cugconsultoria.com).
Autora do Custo Unitário Geométrico, metodologia inovadora de modelagem estatística para estimativa probabilística do custo de construção na fase preliminar do projeto de edificações.
Professora substituta do Departamento de Projeto de Arquitetura do curso de graduação da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo UFRJ de 2016 a 2018, ministrando diversas disciplinas de projeto e a disciplina eletiva “relação teoria e prática”, com foco no custo das decisões arquitetônicas.
Profissional com experiência no desenvolvimento de projetos e no acompanhamento de obras, tendo ocupado o cargo de gerente de projetos na Mareines+Patalano Arquitetura, onde atuou de 2005 a 2013, tendo participação efetiva em todos os projetos desenvolvidos pelo escritório nesse período.
Experiência na execução de obras de empreendimentos imobiliários de 2007 a 2009, com atuação no canteiro em todas as etapas de execução, desde as fundações até a entrega da obra.
Vencedora do prêmio Arquiteto do Amanhã (IAB/RJ).