PDRI e Performance bonds: qualidade na contratação e desempenho de obras públicas

Alonso Mazini Soler

Escrito por Alonso Mazini Soler

19 de setembro 2017| 12 min. de leitura

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PDRI e Performance bonds: qualidade na contratação e desempenho de obras públicas

Nesse post falarei sobre soluções como o PDRI (Project Definition Rating Index) e as Performance Bonds. Esses instrumentos fortalecem o desempenho eficiente das obras públicas.

Sobrepreços e atrasos em obras públicas

O sobrepreço e os atrasos na conclusão das obras públicas nacionais são velhos conhecidos dos brasileiros. Obras públicas estruturantes de infraestrutura – água, saneamento, energia e transporte – são exemplos rotineiros dessa situação lastimável.
O Brasil precisa e deve conferir maior agilidade e racionalidade às suas obras públicas de infraestrutura. É preciso minimizar atrasos e sobrecustos durante a execução de obras. Em não o fazendo, o risco é comprometer o futuro do País. As ações de combate à corrupção em curso confirmam esta avaliação. Mostram a dimensão dos danos causados pela prática de atos de corrupção pelos agentes públicos e privados. Os fatos apurados ressaltam os limites dos instrumentos de governança contratual disponíveis. Mais que isso, fragilidades normativa e procedimental para garantir execução de obra regular.

A baixa qualidade dos projetos de engenharia conceitual e básica

Identifica-se na baixa qualidade dos projetos de engenharia conceitual e básica elaborados no âmbito das contratações de obras públicas um grande filão para o cometimento de atos de corrupção. O modus operandi dos atos lesivos se aproveita da má qualidade de projetos.
Assim, abre espaço para celebrar contratos superfaturados, forçar a celebração de aditamentos contratuais, durante a execução. Sempre com o objetivo de aumentar o valor contratado, ao sabor de interesses espúrios. Tais aditamentos são, muitas vezes, justificados pela mudança no objeto e nos quantitativos contratuais pactuados, respaldados na imprecisão dos projetos de engenharia que compõem os editais de licitação.

Exemplos práticos

Um exemplo dessa situação é o da Refinaria Abreu e Lima, em Ipojuca (PE). Entre as auditorias constantes no relatório final da CPI da Petrobras, identifica-se a análise do contrato nº 0800.0055153.09-2[1]. O objeto de tal contrato foi a prestação de serviços e fornecimentos necessários à implantação dos dutos de recebimento e expedição de produtos da refinaria.
A auditoria constatou “haver incertezas explícitas no projeto básico relativo ao contrato de dutos, configurando sua inadequação”. O relatório conclui que o “projeto básico deficiente somado à especificação inadequada do objeto pode ter ocasionado a frustração da licitação, cujo edital não permitiu ao mercado o perfeito entendimento dos trabalhos a realizar”.
Esta última assertiva se confirmou em seguida. No referido certame, foram convidadas 16 empresas a participar da licitação, sendo que apenas quatro apresentaram propostas com preços variando entre R$ 649 e R$ 1,287 bilhão. O resultado foi uma contratação com valor inicial de aproximadamente R$ 650 milhões, quando a Petrobras, segundo apurou a CPI, esperava uma contratação de aproximadamente R$ 550 milhões.
Há outro exemplo significativo do prejuízo causado pela baixa qualidade de projetos. Ele vem da notícia de que o Ministério Público do Rio de Janeiro (MP/RJ) pediu o bloqueio de R$ 200 milhões das empresas responsáveis pelas obras de reforma do Estádio do Maracanã. O projeto básico de engenharia do novo Maraca, elaborado pelo Governo do Rio de Janeiro, tinha apenas 37 plantas. É um número extremamente pequeno de projeções ante a complexidade da obra. Comparativamente, o MP/RJ identificou que o estádio do Mineirão, em Belo Horizonte/MG, igualmente reformado, teve 1.309 plantas elaboradas. Ou seja, número 35 vezes maior ao número de plantas contratadas para a reforma do Maracanã.

Fortalecimento da governança contratual

Os exemplos da Petrobras e do Maracanã mostram a importância da revisão dos procedimentos e da conduta atualmente adotados pela Administração Pública na condução de suas contratações, assim como no posterior controle do desempenho das obras contratadas. Ferramentas como o PDRI (Project Definition Rating Index) e as Performance Bonds fortalecem a governança contratual. Fazem isso por meio da ampliação do aparato de gestão disponibilizado às obras, proporcionando avanços na capacidade do Estado de contratar com maior eficiência, eficácia e transparência.

Project Definition Rating Index (PDRI)

O Project Definition Rating Index é uma solução formulada originalmente nos EUA. Identificada sob o acrônimo de PDRI, quantifica, por meio de checklist ponderado, o grau de preparação prévia do projeto de infraestrutura que se pretende licitar. Faz isso em termos de seus fundamentos, requisitos e condicionantes. O PDRI aborda questões conhecidas, que se estendem desde a avaliação da concepção estratégica do projeto:

  • A disposição de recursos orçamentários e financiamentos;
  • A qualidade dos projetos de engenharia conceitual e básicos;
  • A abordagem de questões legais (desapropriações e a obtenção de licenças e alvarás, por exemplo);
  • O planejamento da estrutura e os procedimentos adotados no controle e na fiscalização da execução da obra.

O PDRI realiza uma radiografia transparente de como o projeto foi concebido no instante imediatamente anterior à sua licitação. A partir da avaliação proporcionada pelo PDRI, é possível inferir o risco potencial daquele projeto. Logo, antever os problemas (atrasos e sobrecustos) relacionados à sua execução.
O PDRI poderia facilmente ser incorporado à Administração Pública, em qualquer uma de suas instâncias (federal, estadual e municipal). Afinal, trata-se de uma ferramenta simples e objetiva de avaliação de projetos. Sua utilização representaria avanço substantivo no atendimento das expectativas e interesses da sociedade. Bancos de fomento e agentes privados de financiamento poderiam recorrer ao PDRI para avaliar riscos técnicos e de gestão. Isso garantiria a disposição de recursos e taxas condizentes às obras públicas bem definidas em sua origem. Assim como, os órgãos de fiscalização (TCEs e TCU), agindo preventivamente, teriam no PDRI um indicador do provável grau de assertividade dos prazos e custos estimados de uma determinada obra pública.

Performance bonds

As performance bonds são uma modalidade de seguro contratado no âmbito de uma obra ou prestação de serviço. Têm o intuito de garantir ao beneficiário da apólice a regular execução do objeto do contrato. Assim, a parte obrigada a realizar a obra, prestar ou fornecer o serviço contrata a apólice em benefício de terceiro – que pode ser a Administração Pública. Trata-se de um contrato formal e bilateral entre a (i) a seguradora e (ii) o contratante (tomador). O objetivo é resguardar os interesses de um terceiro (beneficiário) – o Poder Público – na regular execução do contrato objeto da garantia.
A apólice de seguro-garantia é peculiar e diversa da apólice de seguros tradicional. Enquanto na apólice de seguros tradicional há a expectativa de sinistros, na apólice de performance bond a sinistralidade perseguida como condição à emissão da apólice é zero. A seguradora elabora criteriosa verificação da capacidade de performance do particular com base no projeto específico que deseja executar. Quando emite a apólice, a seguradora sinaliza à parte segurada – no caso a Administração Pública – a sua avaliação positiva da capacidade de realização do contrato por aquele tomador.
As performance bonds inserem a seguradora na qualidade de terceira interessada na regular execução do contrato. Isto gera impactos positivos na qualidade dos projetos básico e executivo. O detalhamento e qualidade dos projetos, assim como demais aspectos relacionados aos fundamentos e às condicionantes da obra tornam-se requisitos exigidos para subscrição da apólice e assunção de riscos pela seguradora. Com efeito, o regime de performance bond força a melhoria da preparação prévia da contratação. Além disso, proporciona a quebra da interlocução direta entre agentes públicos e privados na execução de contratos de obra com a Administração Pública. Isso diminui os riscos de inadimplemento contratual e restringe a celebração de aditivos de valor.

Performance bons nos EUA e no Brasil

O regime americano de performance bonds existe há mais de 120 anos e se ampara em três elementos fundamentais. Estes podem servir de fonte de inspiração aos legisladores e reguladores brasileiros:

  1. A obrigatória contratação de apólice de performance em todos os contratos de obras públicas;
  2. A prática da importância segurada em 100% (cem por cento) do valor do contrato e;
  3. A atribuição de poder de fiscalização permanente à seguradora.

O desenho do regime brasileiro de performance bonds está em debate no Congresso Nacional. Iniciativas como o PLS nº 274, de 2016, e o PL nº 6784/17 (antigo PLS nº 559/13) aproximam o regime brasileiro do americano. Afinal, atribui poder de fiscalizar a execução do contrato às seguradoras. Esse aspecto torna o IDP, mencionado anteriormente, relevante também na perspectiva das seguradoras. Estas poderão utilizá-lo para compreender o grau de exposição aos riscos técnicos e de gestão pretendidos pelos contratantes. As informações obtidas com o IDP enriqueceriam a avaliação da subscrição das apólices pelas seguradoras. Com consequentes impactos na aferição de riscos e, consequentemente, na cotação do valor das apólices.

Caminho para a superação do atual paradigma de ineficiência das contratações públicas

O PDRI e as performance bonds apontam o caminho para a superação do atual paradigma de ineficiência das contratações públicas. A ineficiência facilita a profusão de atos lesivos à Administração. Um novo paradigma, centralizado na prevenção e baseado na avaliação prévia da maturidade dos projetos, potencializa a execução eficiente e eficaz. Embora não devam ser consideradas panaceias, essas soluções complementam a oferta de alternativas disponíveis para garantir a execução das obras públicas conforme o seu planejamento e a atenuação dos atrasos e sobrecustos nas obras públicas de infraestrutura do Pais.
Alonso Mazini Soler, Doutor em Engenharia de Produção POLI/USP e Professor da Pós Graduação do Insper – alonso.soler@schedio.com.br
Vitor Boaventura Xavier, Graduado em Direito pela Universidade de Brasília (UnB), é membro do Instituto Brasileiro de Direito do Seguro (IBDS) – vitorboaventura5@gmail.com