Centralizar decisões prejudica inovação na construção

Em junho de 2019 a FGV (Fundação Getúlio Vargas) publicou a tese “As causas do baixo investimento em tecnologias digitais e suas consequências para vantagem competitiva no setor de incorporação imobiliária do Brasil”.

De autoria de Fabio Gomes, a pesquisa indica que tomada de decisão no setor de construção e incorporação é centralizada na mão de diretores de engenharia. Estes, em muitos dos casos, não têm a qualificação necessária para avaliar tecnologias e processos inovadores.

Além disso, segundo Gomes, na maior parte das empresas não há envolvimento do departamento de TI. Esta configuração impacta negativamente a adoção de tecnologia em atividades de construção e incorporação, o que justifica, em parte, o atraso digital no setor.

Mas você deve estar se perguntando uma coisa…

Quem é Fabio Gomes?

Formado em ciência da computação e pós-graduado em sistemas de telecomunicações e em geoprocessamento, Fabio Gomes se declara um apaixonado por tecnologia aplicada.

Tanto é que para o mestrado em administração de empresas decidiu pesquisar como a tecnologia contribui para a competitividade e a inovação. Mais especificamente, no segmento de incorporação imobiliária no Brasil.

Atualmente, é Head de Alianças na Dassault Systèmes, empresa francesa dedicada à inovação tecnológica para a indústria. Na prática, tem como missão desenvolver o ecossistema de parceiros de negócios para a América Latina.

Além disso, é professor convidado no curso de transformação digital na Educação Executiva da FGV-SP.

Entrevista com Fabio Gomes

O Buildin conversou com o Fabio para saber mais sobre as conclusões dele sobre as consequências do baixo investimento em tecnologias digitais para a vantagem competitiva de incorporadoras.

Confira como foi a conversa.

O que o motivou a pesquisar sobre esse tema?

A primeira motivação foi minha perplexidade quando comparava os mais diversos perfis de empresas, dos vários segmentos e países, que tive oportunidade de conhecer.

A construção civil, não só no Brasil, salvo poucas exceções, tem uma inserção muito lenta de novos métodos construtivos, processos de gestão e de novas tecnologias digitais.

Não me parecia razoável as justificativas ou explicações disponíveis na academia ou no mercado. Estas se baseavam majoritariamente na baixa qualificação da mão de obra, na crise econômica, no alto custo de capital, no fator câmbio uma vez que muitas das tecnologias são importadas, no perfil conservador ou mesmo o fato da maioria das empresas do setor sejam de pequeno porte.

No mesmo período estavam surgindo novas incorporadoras de pequeno porte, muito menos capitalizadas e sem mercado, mas completamente inovadoras, como Vitacon (Brasil), Cadworks (Canadá), Katerra (EUA) e várias outras. Ou mesmo gigantes de outros setores, entrantes neste mercado, basta observar o evento BuildTech que ocorre na Ásia.

Sua intenção era fazer um diagnóstico do atraso?

Eu queria entender os porquês! Este setor é estratégico para o países. Já atingiu cerca de 10% do PIB do Brasil, em 2010, mas acumula queda desde 2014. Além de impulsionar uma ampla cadeia produtiva, o setor é responsável pela construção de moradias e pela infraestrutura essencial para a competitividade e desenvolvimento socioeconômico dos países. Além disso, emprega massivamente, na primeira hora, um perfil de trabalhador de maior vulnerabilidade socialmente vulnerável.

Com a pesquisa eu pretendia disponibilizar uma boa base teórica para os players do setor. Ou seja, para a comunidade científica, para as empresas de tecnologia e os profissionais do setor, sejam líderes, profissionais de TI ou da engenharia, dentre outros.

Nada mais oportuno que o setor retome suas atividades no pós crise em condições de produzir e competir melhores do que as de antes, não é mesmo? Ou seja, Um bom diagnóstico é a base para uma boa terapêutica!

Quais as principais conclusões às quais chegou?

O trabalho buscou respostas ao analisar quatro proposições, elaboradas com base numa ampla revisão bibliográfica, e confirmadas com pesquisa de campo.

A primeira proposição assumiu a possibilidade de que os decisores, responsáveis pelo investimento, tinham uma percepção negativa ou de baixo valor em relação ao benefício das tecnologias digitais para o negócio e para geração de vantagem competitiva.

A pesquisa revelou o contrário. Os decisores consideram a inovação e tecnologia essenciais para os melhoria dos negócios e para competitividade. Entretanto, priorizam aquelas que estão mais associadas à sua cadeia de valor. Mais especificamente ao relacionamento com o cliente e que promovam o aumento das vendas.

As demais tecnologias, mesmo que visem eficiência operacional ou a produtividade, recebem menor atenção. Por exemplo, demonstram grande expectativa em relação ao BIM (Building Information Modeling). No entanto, ainda esperam que esta tecnologia traga impacto expressivo no canteiro de obras. Isso para que justifiquem maiores investimentos.

A segunda proposição assumiu a possibilidade de existirem conflitos internos ou mesmo desalinhamento do departamento de TI com a estratégia e áreas de negócios. Ou seja, que influenciassem negativamente no investimento.

Ao contrário, o que se observou foi um arquétipo de monarquia de negócio. Ou seja, onde a decisão é tomada pelos donos e diretores de engenharia, de forma centralizada. O departamento de TI tem uma característica subalterna no setor. Fica centrado muito mais em cuidar das “coisas da TI” e da execução da compra da tecnologia do que atuar efetivamente no processo de inovação e na transformação do negócio.

Quais os problemas decorrentes dessa maneira de estruturar o negócio?

Precisamos considerar a complexidade crescente no processo de identificação, seleção e implantação de uma tecnologia. Além disso, estes decisores nem sempre dominam o assunto. Logo, fica evidente a necessidade de adequação da cultura das empresas para inovação. Mais do que isso, é preciso fazer a estruturação dos processos e papéis responsáveis para que possam haver investimentos adequados em tecnologia.

E quanto às demais proposições adotadas como premissa para o trabalho?

A terceira proposição foi a possibilidade de existirem barreiras às características intrínsecas do setor. Daquelas que inviabilizam ou afetam significativamente o investimento adequado em tecnologia digital. Foram identificadas várias barreiras.

As que mais me chamaram a atenção foram: 

  • A percepção de alguns decisores de que o setor possui baixa atratividade para os grandes fornecedores de tecnologia. Desta forma, as tecnologias digitais disponíveis, em geral, não são devidamente adequadas às necessidades do setor, ou incipientes
  • A necessidade de haver uma conciliação entre o ciclo da mudança tecnológica com o ciclo do empreendimento. Em média um empreendimento necessita de 36 meses para ser realizado. E neste mesmo período as tecnologias sofrem grandes mudanças. Isto torna complexa sua implantação ou mesmo exige a criação de ambientes de experimentação e prototipagem, o que não condiz com a cultura de investimento do setor
  • O entendimento de que o baixo custo da mão de obra empregada nos canteiros de obra é um fator retardador da inserção de novas tecnologias. Afinal, numa simples análise financeira é mais vantajoso este custo do que os custos mais altos das novas tecnologias, que são em grande maioria importadas ou necessitam de adequações ao negócio

A quarta proposição observou se a aversão ao risco pelo setor impede o investimento adequado. O que foi confirmado.

Como já dito, o setor não demonstra ter uma cultura para o P&D (Pesquisa e Desenvolvimento). Além disso, demonstrou pouco interesse no investimento em uma tecnologia que não traga retorno imediato e direto à obra onde ela estaria sendo empregada.

Se, como dito, algumas destas tecnologias exigem um ambiente de experimentação, ou mesmo deva-se esperar possíveis falhas inerentes ao processo de inovação, a menos que haja uma mudança de mindset da liderança, muitas destas tecnologias continuarão encontrando neste setor um terreno estéril.

Há um motivo comum entre todas elas para essa resistência?

Se eu pudesse restringir a um motivo comum, eu talvez usasse a constatação de que o processo decisório de investimento em tecnologia digital é centralizado nos donos e nos diretores de engenharia.

E estes, em sua maioria, não conhecem ou não estão preparados para lidar com o assunto. Desta constatação já se pode tirar várias conclusões, não é mesmo? Se destacam positivamente aquelas cujos líderes estão antenados nas tecnologias digitais. Ou seja, são adeptos a mudança e a inovação, estando envolvidos diretamente em processos estruturados, apoiados por comitês multidisciplinares de inovação.

As empresas estão em diferentes estágios com relação à inovação e a adoção de tecnologia?

Naturalmente, as maiores, líderes do setor, demonstraram investir e adotar mais tecnologia. Entretanto, até mesmo entre as líderes, ter uma cultura verdadeiramente inovadora aparenta ser uma característica restrita a minoria das empresas do setor.

A que você credita essa disparidade? 

Sucintamente, diria que dependem dos seguintes fatores:

  1. Mindset da liderança
  2. Cultura organizacional
  3. Quanto maior o porte, maior a capacidade de investimento e para correr riscos
  4. A natural atratividade dos melhores e mais capacitados profissionais para empresas líderes
  5. Os fatores primordiais para competitividade do setor dependem mais de fatores econômicos do que tecnológicos.

Neste sentido, quem, por exemplo, possui a capacidade de manter o melhor Land Bank, define o produto adequado. Quem possui melhor marca, força de vendas e relacionamento com o cliente, detém grande vantagem.

Por esta razão, as pressões de mercado em relação à adoção de novas tecnologias digitais aparentam não exercer o mesmo efeito no setor quando comparado à outros setores, como a manufatura, por exemplo.

Estes fatores, quando observados e mitigados nos planos estratégicos das empresas, mesmo pequenas incorporadoras, têm a capacidade de proporcionar vantagem sobre as líderes. Vide os casos discutidos neste trabalho.

Quais as características das empresas que têm políticas e ações internas voltadas à inovação?

Notei que em algumas empresas líderes no mercado brasileiro, entre as maiores incorporadoras nacionais, já são adotados processos estruturados para inovação, mesmo que em diferentes fases de maturidade.

Estas empresas contam com o engajamento direto da alta liderança, que participam ativamente do processo e possuem mentalidade orientada à inovação e à mudança.

Especificamente em relação às tecnologias digitais, eles têm optado cada vez mais pela inovação aberta. Ou seja, realizando investimentos em hubs de inovação e em startups. Além disso, implementando processos e conselhos multidisciplinares bem definidos e que se reúnem para capturar ideias e necessidades de negócio. Estas reuniões se voltam também a identificar, avaliar e experimentar novas tecnologias de mercado. Cada vez menos desenvolvendo tecnologia internamente.

Segundo a visão dos líderes entrevistados, esta característica inovadora é uma exceção mesmo entre outras grandes do setor e muito mais raras nas demais de pequeno e médio porte.

Quais caminhos você entende serem os mais promissores para transformar a realidade da construção nacional?

Embora a pesquisa não tenha se proposto a apresentar uma terapêutica, ao invés, apenas um profundo diagnóstico do problema, algumas obviedades nos saltam aos olhos.

A primeira delas é a necessidade em se reduzir a concentração do processo decisório acerca do investimento de tecnologia, hoje centrado nos donos e diretores de engenharia. As pesquisas mostraram que menos de 50% destes decisores conhecem ao menos superficialmente este tema.

A velocidade de mudança e surgimento de novas tecnologias só tem aumentado. Assim, é urgente que as incorporadoras criem processos e papéis diferenciados na organização. Ou seja, capazes de capturar e selecionar inovações. Sempre de modo a trazer ganhos concretos ao negócio e implementá-las.

Nenhuma destas três atividades é trivial. Exigem a colaboração de diferentes profissionais e adequado alinhamento à estratégia e modelo de negócio.

Uma segunda obviedade é a necessidade de se descobrir o valor do departamento da TI para os negócios. No setor, este departamento realiza, na maioria dos casos, atividades de pouco valor ao negócio. Promovendo pouco ou nenhum impacto ao negócio ou mesmo ao cliente.

A TI não está envolvida com a agenda de inovação, digitalização, otimização de processos etc.. Esta mudança deveria ser provocada a partir de ambos os lados. Ou seja, a partir das lideranças de negócio e engenharia, contratando talentos, investindo concretamente em gente. Mas também na própria preocupação destes profissionais de TI. Estes devem abraçar esta tarefa e se interessarem pelo negócio ao qual foram convidados a contribuir.

Ou seja, é preciso que haja mudança de postura por parte dos profissionais do setor?

Eu diria que o setor precisa tomar a decisão de investir mais em inovação, pesquisa e desenvolvimento. Trata-se de mudança do mindset para estar aberto a correr risco ao investir em tecnologia.

Obviamente, o momento de crise deve ser considerado como fator inibidor. Mas é evidente que o setor tem arraigado a cultura da racionalização, da maximização do retorno sobre o investimento e baixo aprovisionamento de recursos para investimento tecnologia.

A pesquisa discriminou várias razões que explicariam ou mesmo justificariam este perfil. Estas vão desde o seu porte. Ou seja, maioria de pequenas e médias empresas. Além disso, há consequente fragmentação do setor, conjuntura econômica historicamente cíclica e o próprio modelo de negócio (Engineering-To-Order) proporciona baixa repetitividade, padronização e acarreta em riscos etc.

Mas, é preciso olhar pelo lado da demanda do setor. Ou seja, considerando a necessidade de ganho de produtividade, a pressão existente sobre as margens de lucro, os riscos de novos entrantes mais disruptivos, demandas sócias e urbanísticas relativas a sustentabilidade, edifícios maiores, mais complexos e inteligentes. Este panorama mostra que o setor precisa mudar!

Ou seja, precisa investir em inovação e tecnologia!

Na pesquisa, pude constatar que o que motiva o decisor das empresas brasileiras a investir em tecnologia é o seu concorrente. O Benchmark! Ou seja, se investe sempre depois dos outros!

Conclusão

Muitas das conclusões de Fabio Gomes já vêm sendo pontuadas pelo Buildin ao longo do tempo. As causas do atraso na adoção tecnológica e de processos de inovação são tema nos Construtalks e Construsummits.

E para você, o que leva o setor da construção a inovar pouco? Quais as causas para o atraso?

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