Ciclovias: projetos de urbanismo devem se adequar à demanda

Tomás Lima

Escrito por Tomás Lima

24 de abril 2018| 19 min. de leitura

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Ciclovias: projetos de urbanismo devem se adequar à demanda

Você já deve ter percebido que é cada vez maior a presença dos ciclistas em meio ao nosso trânsito caótico.  Cresce com isso a demanda por mais ciclovias, melhor planejadas e melhor construídas.

Pedalando com dificuldade entre carros, ônibus, motos e outros veículos motorizados, eles exigem cada vez mais atenção. Dos motoristas, autoridades e técnicos da área.

Gestores públicos, urbanistas, engenheiros, arquitetos, construtores e empreendedores não podem mais ignorar essa exigência crescente na sociedade.

Assim como está, não pode ficar.

Veja por quê.

Relação tensa entre motoristas e ciclistas

O número de bicicletas nas ruas não para de aumentar.

Porém, sem a infraestrutura adequada para essa convivência no trânsito, a relação entre ciclistas e motoristas é tensa. 

O lado mais fraco, o ciclista, sofre com o desrespeito e o perigo constante dos atropelamentos.

Por isso, os fãs das bicicletas se organizam em redes mundiais, como a Massa Crítica, e querem mais espaço nas estruturas viárias.

Acontece que muitos motoristas sequer cumprem a distância mínima de 1,5 metro das bicicletas, prevista no Código de Trânsito Brasileiro. Outros reagem de forma hostil à presença dos ciclistas.

Olhe, por exemplo, o lamentável episódio ocorrido em Porto Alegre, Rio Grande do Sul:

17 ciclistas foram atropelados por um carro

Um motorista atropelou 17 ciclistas que participavam de uma “bicicletada” da Massa Crítica, na capital gaúcha, em 2011.

O atropelador acabou condenado a 12 anos e 9 meses de prisão, em 2016, mas recorreu e responde em liberdade.

Esse conflito é um problema difícil de resolver, sem dúvida, mas a solução não pode esperar mais. Isso representa também novas oportunidades para diversos ramos de atividade.

Você vai gostar do que vou lhe mostrar agora.

Ciclovia em São Paulo (Foto: Mariana Gil/WRI Brasil)

Vale a pena acreditar nesta tendência do século 21

Para o empreendedor, construtor ou profissional da área, vale a pena acreditar nessa tendência que é mundial e tem a cara do século 21.

Alguns motivos:

  • É um mercado com grandes possibilidades crescimento contínuo, por muito tempo ainda.
  • Está perfeitamente alinhado com as exigências mundiais de busca da sustentabilidade e diminuição das emissões de carbono.
  • Tem total sintonia com as aspirações das novas gerações por vida saudável, cuidado com o meio ambiente, menos poluição, simplicidade e praticidade.
  • Traz economia para as pessoas, com redução de custos e ganho de tempo nos deslocamentos.
  • As exigências de acessibilidade e facilidades para o transporte alternativo são cada vez mais comuns no planejamento das cidades.
  • As estruturas viárias em todas as cidades brasileiras, sem exceção, precisam ser repensadas e remodeladas para os ciclistas.

Ou seja, é só arregaçar as mangas e ir atrás das possibilidades que esse mercado apresenta a curto e médio prazo.

Profissionais da área e construtores que se especializarem têm perspectivas de trabalho e de negócios muito boas.

Veja como são interessantes os dados do setor.

O Brasil é o quarto maior produtor de bicicletas do mundo

  • Temos mais de 70 milhões de bicicletas no Brasil.
  • Somos o quarto maior produtor mundial de bicicletas.
  • Nossa produção anual é de 2,5 milhões de unidades, sem contar as bicicletas infantis que são classificadas como brinquedos.
  • A perspectiva de crescimento da indústria para esse ano é de 9%.

Essas informações são da Abraciclo, a associação que reúne os fabricantes de bicicletas.

Eu vou apresentar a você quem é o nosso ciclista.

Perfil mostra que maioria usa bicicleta para ir ao trabalho, lazer e compras

A Transporte Ativo publicou uma pesquisa sobre o Perfil do Ciclista Brasileiro. Olha só o que ela descobriu:

Quanto ao destino:

  • 88,1% dos ciclistas usam a bicicleta para ir ao trabalho
  • 76% para lazer.
  • 59,2 para fazer compras
  • 30,5% para ir à escola ou faculdade

Na pesquisa, com 5.012 ciclistas em dez cidades, a Transporte Ativo investigou as motivações dessas pessoas para pedalar. A rapidez, a saúde e o custo são muito importantes.

  • 44,6% rapidez e praticidades
  • 25,9% saúde
  • 17,7% custo
  • 7,8% outros
  • 3,4% preocupação ambiental

Elas apontaram também os seus principais problemas no dia-a-dia:

  • 34,6% educação no trânsito
  • 26,6% falta de infraestrutura viária
  • 22,7% (in) segurança no trânsito
  • 7,4% segurança pública
  •  3,3% problemas de sinalização
  • 4,6% outros

Vamos falar mais das ciclovias.

Fluxo de carros e velocidade são decisivos para as ciclovias

“Acredito que o conceito de mobilidade cicloviária precisa ser melhor desenvolvido no país”, diz a engenheira civil Paula Manoela dos Santos.

Ela é  gerente de Mobilidade Ativa da WRI Brasil Cidades Sustentáveis, uma rede internacional com sede em Washington. A organização tem escritório em Porto Alegre e apoia políticas de sustentabilidade e mobilidade em vários países como o Brasil.

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Paula Santos, engenheira do WRI Brasil Cidades Sustentáveis (Foto: Daniel Hunter/WRI Brasil)

Uma ressalva que ela faz, por exemplo, é que nem toda rua precisa de ciclovia. “Uma cidade que implanta uma ciclovia, não necessariamente está tendo uma atitude responsável, isso é uma questão de planejamento”.

Este aviso pode parecer estranho, mas é importante: a ciclovia realmente deve ser necessária e útil para as pessoas. Uma ciclovia sem planejamento pode acabar ociosa.

Neste sentido, há dois itens decisivos que ela aponta para a implantação de ciclovias: o fluxo de veículos motorizados e a velocidade dos carros.

Também é preciso observar a integração da ciclovia com outros meios de transporte e a lógica de deslocamento das pessoas na cidade.

Eu vou resumir pra você:

Uma ciclovia se torna necessária quando uma via é muito carregada de veículos motorizados. Ela oferece riscos sérios aos ciclistas, por isso eles precisam de um espaço segregado, totalmente protegido, para se locomover

Porém, em lugares de pouco fluxo e baixa velocidade bastam as ciclofaixas ou ciclorrotas.

Um levantamento realizado pelo site Mobilize em 19 capitais brasileiras, ano passado, mostrou que elas somam juntas 2.526,61 quilômetros de ciclovias e ciclofaixas.

Ciclovias, ciclofaixas e ciclorrotas

Costuma-se tratar como se fosse tudo fosse ciclovia.

Mas eu vou mostrar a diferença para você::

  • Faixa compartilhada: não há nenhuma delimitação entre as faixas para automóveis ou bicicletas, a faixa é somente alargada de forma a permitir o trânsito de ambos os veículos.
  • Ciclofaixa: é uma faixa separada apenas por sinalização de pintura na pista ou tachões. Geralmente é no mesmo sentido de direção dos automóveis e ao lado direito em mão única.
  • Ciclovia: é segregada fisicamente do tráfego automóvel. Podem ser unidireccionais (um só sentido) ou bidireccionais (dois sentidos). Em geral, adjacentes às pista dos carros ou em corredores verdes independentes da rede viária.
  • Ciclorrota: significa um caminho, sinalizado ou não, que representa uma rota favorável ao ciclista. Não possui segregação do tráfego comum, como pintura ou delimitadores, embora parte da rota, ou toda ela, possa passar por ciclofaixa ou ciclovia.
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Ciclofaixa em São Paulo (Foto: Mariana Gil/WRI Brasil Cidades Sustentáveis)

O fato é que alguns prefeitos se empolgam com a ideia e saem fazendo ciclovias caras e desnecessárias, sem sentido prático.

Muita atenção então:

Para que isso não aconteça, são necessários amplos estudos, engenheiros, arquitetos e técnicos da área.

Eles devem estar capacitados a estudar as inúmeras rotas, fluxos e necessidades de uma cidade ou comunidade.

Você vai receber duas ótimas dicas:

A WRI tem um manual muito completo e gratuito sobre isso. É só ir no link e baixar o Manual e Projetos e Programas para Incentivar o Uso de Bicicletas em Comunidades.

Cidades investem no Plano Diretor Cicloviário

Atendendo a essa demanda, muitas cidades estão criando o seu Plano Diretor Cicloviário. A primeira no Brasil foi Porto Alegre, que aprovou o seu PDC em 2008, prevendo 498 quilômetros de ciclovia.

Desde então, outras seguiram o mesmo caminho, como Rio, São Paulo, Curitiba, Manaus, Fortaleza, Recife, Brasília e outras.

Isto pode lhe interessar:

A União dos Ciclistas do Brasil tem uma listas dos mapas cicloviários das cidades brasileiras.

Um dado que não pode ser esquecido no PDC é a integração intermodal nos grandes municípios, onde as distâncias a percorrer são maiores.

Para isso, é importante o estacionamento de bicicletas próximo aos terminais do transporte público, seja trem, metrô ou ônibus.

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Bicicletário do metrô do Rio (Transporte Ativo/Divulgação)

Serviços de aluguel próximos aos terminais urbanos é uma forma de incentivar o seu uso. Outra boa sugestão para a integração intermodal é a possibilidade de embarcar a bicicleta nos vagões de trem, metrô, ônibus ou VLT.

Um plano avançado e de vanguarda

O PDC da capital gaúcha é o mais antigo, mas é considerado ainda bastante avançado e até de vanguarda pelos ciclistas. Ele prevê a integração de toda a cidade pelas ciclovias, não só na parte central, mas também na periferia e comunidades que usam esse meio de transporte.

Também foi inovador quanto ao financiamento dessa infraestrutura. Ele prevê duas fontes de renda para sua implementação: 20% das multas de trânsito da empresa de transporte público do município e as contrapartidas de grandes empreendimentos, como shoppings.

No entanto, há alguns anos a prefeitura conseguiu modificar a lei na Câmara Municipal e deurrbou a destinação dos 20?% das multas para o setor, uma grande mágoa dos ciclistas.

“Tecnicamente é um plano que prevê soluções interessantes e mesmo tendo dez anos muito do projeto dele continua atual, parece algo vanguardista”, aponta o militante ciclista Cadu Carvalho.

Ele é um dos fundadores da Mobicidade, a Associação pela Mobilidade Urbana em bicicleta de Porto Alegre.

Vamos ver agora a questão das ciclovias e das bicicletas do ponto de vista dos empreendimentos.

Planejamento em shoppings, prédios comerciais, condomínios, indústrias

Segundo os especialistas, a inclusão do modal cicloviario em seus projetos só traz vantagens para os empreendedores.

Isso vale para qualquer empreendimento. Shoppings, prédios comerciais, indústrias, edifícios residenciais, até condomínios, comunidades e loteamentos planejados, entre outros.

“Com isso, a empresa passa uma mensagem de sustentabilidade, relacionada com a imagem de uma empresa que se liga fortemente com um futuro mais moderno. Isso interessa muito a um outro tipo de cliente, de mentalidade mais jovem, que se preocupa bastante com estas questões”, aponta Paula Santos.

Para ela, a crise de mobilidade está ligada a uma cultura que diz que a pessoa precisa de ter um carro para ter sucesso na vida.

As pessoas são muito incentivadas a comprar carro e assim se produz um colapso nos sistemas viários das grandes cidades. Mas uma boa parte da sociedade está mudando de mentalidade e fazendo um movimento na direção do transporte alternativo.

Entender isso é fundamental para os investidores e construtores.

Uma demanda simples e barata de acolher

Cadu Carvalho, do Mobicidade, diz que é barato e simples acolher essa demanda.

Criar um espaço para as pessoas deixarem as bicicletas é um investimento irrisório, perto do necessário para construir um estacionamento de carros, compara.

Veja só:

Num espaço para sete carros podem caber até 80 bicicletas, por exemplo.

Além disso, o modal traz benefícios ambientais, sociais, culturais e

econômicos. Quando um empreendedor investe nessa área, cria um ambiente mais acolhedor, confortável e seguro.

Isso valoriza a qualidade de vida dos moradores da sua região e o próprio local onde foi implantado o empreendimento.

O acesso fácil ao transporte alternativo, aliás, é um item importante para a Certificação Leed, o selo de sustentabilidade da construção civil.

Medidas práticas importantes para os empreendimentos

Acessos facilitados para ciclistas e pedestres, sinalização adequada e locais próprios para deixar as bicicletas, são três medidas práticas importantes.

Podem ser instalados paraciclos ou bicicletários, bem como armários e lugares para as pessoas deixarem seus capacetes e apetrechos de ciclista.

Aqui vou lhe mostrar outra diferença:

Bicicletário: é um estacionamento de longa duração para bicicletas, com grande número de vagas e controle de acesso, podendo ser público ou privado.

Paraciclo: é um estacionamento mais simples, de curta ou média duração, em espaços públicos, equipados com dispositivos para mantê-las ordenadas e amarradas.

Agora, uma indicação muito útil.

Um guia completo sobre bicicletários e paraciclos

Temos aqui no link, gratuitamente, o Guia de Boas Práticas Para Instalação de Estacionamento de Bicicletas, da União de Ciclistas do Brasil.

Além disso, as empresas podem incentivar seus funcionários a usar bicicletas instalando vestiários para se trocarem ao chegar e sair.

Esse é um dos itens, aliás, da nossa publicação 10 Dicas para Aumentar a Eficiência no Canteiro de Obras, que você pode baixar gratuitamente.

Nos condomínios a redução de velocidade é uma providência importante também, para o compartilhamento seguro das vias pelos carros, bicicletas e pedestres.

Enfim, quando mais alguém se aprofunda no tema, mais ideias e possibilidades surgem.

O importante é passar a incluir essa preocupação no planejamento das obras, isso valoriza o empreendimento. Ainda evita problemas presentes e futuros.

Neste sentido, o nosso Guia de Acessibilidade na Construção Civil também pode ser muito útil para você.

Antes de seguir adiante, precisamos lembrar de um caso trágico, que serve como advertência.

Desabamento da Ciclovia Tim Maia completa dois anos

Estou falando do que ocorreu na Ciclovia Tima Maia, no Rio. Pois é, há dois anos, dia 21 de abril de 2016 um trecho da pista junto ao mar desabou, provocando a morte de duas pessoas.

Laudos apontaram falhas de projeto e recomendaram o fechamento da ciclovia em períodos de ressaca do mar.

Sobre isso, a engenheira Paula Santos alerta que as ciclovias exigem a mesma qualidade de outros projetos de infraestrutura, como rodovias, viadutos, pontes e outras.

“Toda e qualquer infraestrutura viária precisa prover segurança e conforto aos usuários. Isso requer investimentos em projetos de qualidade e estudos preliminares, não apenas na infraestrutura em si”, alerta.

Projetos inovadores de ciclovias no mundo

É hora de lhe mostrar um pouco sobre o investimento nas ciclovias em outros países.

Muito da inspiração para as políticas de transporte alternativo vêm da Holanda. O “país das bicicletas” possui, proporcionalmente o maior número de ciclistas do planeta e é o mais seguro para quem pedala.

Você vai gostar de ver esse vídeo no link sobre as ciclovias na Holanda.

Os holandeses realmente são muito arrojados nisso. Foi lá que inauguraram, em Amsterdan, a primeira ciclovia solar do mundo, com painéis solares instalados na pista.  

Na China, foi construído um sistema cicloviário de 7,6 quilômetros com quatro pistas e a mais longa passagem superior do mundo para bicicletas.

Em Londres, um consórcio de empresas apresentou um projeto de uma plataforma flutuante no rio Tâmisa, de 12 quilômetros, com rede cicloviária.

Aqui no link você poderá conhecer outros projetos importantes e arrojados em outros países.

Para finalizar, veja que interessante:

Cada dólar gasto com ciclovia representa U$S 24 de economia

Um estudo divulgado por pesquisadores da Nova Zelândia para a revista norte-americana científica Environmental Health Perspectives, do Instituto Nacional de Ciências de Saúde Ambiental, revelou o seguinte:

Para cada dólar gasto com a construção de ciclovias segregadas, as cidades podem economizar até US$ 24 (R$ 62), graças à redução de custos com saúde, poluição e tráfego.

Acho que não é preciso dizer mais. A não ser sugerir que você, ao incluir a ciclovia em seus planos, entre em contato com alguma dessas organizações do movimento pela mobilidade urbana de bicicleta.

As mais importantes nós citamos aqui, estão nos links. Elas gostam muito de apresentar sugestões para quem se interessa em facilitar a vida dos ciclistas.

Outra recomendação é a participação no Velo-city, a principal conferência internacional sobre ciclismo e mobilidade urbana.

Ela vai acontecer no Rio de Janeiro, de 12 a 15 de junho.

Muito obrigado pela leitura! Se gostou, deixe sua opinião e compartilhe, seus amigos e amigas vão gostar também.