Burocracia no imóvel: quais são os gargalos e como reduzir impacto

Gustavo Prata

Escrito por Gustavo Prata

5 de abril 2017| 20 min. de leitura

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Burocracia no imóvel: quais são os gargalos e como reduzir impacto

Desde o momento da compra de um terreno até a entrega das chaves de uma casa ou apartamento, o excesso de burocracia no imóvel aumenta em até 12% o valor final do bem para o proprietário. A conclusão é do estudo “O Custo da Burocracia no Imóvel”, publicado em 2014, pela Câmara Brasileira da Indústria da Construção (CBIC), Associação Brasileira de Incorporadoras Imobiliárias (Abrainc) e Movimento Brasil Competitivo (MBC), e realizado pela Booz&Co.

O percentual equivale a R$ 18 bilhões por ano, considerando-se os financiamentos com recursos do FGTS e da caderneta de poupança, com base na média de unidades novas entregues anualmente. O estudo revela que há entraves, seja pelo excesso de documentos, seja pela carga tributária, em todas as fases do empreendimento, e que envolvem instituições públicas e privadas.

O efeito perverso da burocracia no imóvel vai além dos cifrões. A CBIC mostra que o excesso de papéis e carimbos, bem como o desembaraço de todos eles, também aumenta o prazo de entrega do bem. Dos cinco anos que um imóvel financiado pelo FGTS pode levar para sair do papel – do projeto à entrega – dois anos são consumidos apenas pelos processos burocráticos. Resumindo: os trâmites consomem 40% do tempo do cronograma de uma obra.

Burocracia no imóvel: onde estão os gargalos

O levantamento feito pela Booz&Co identificou barreiras em toda cadeia imobiliária. Porém, é no seu início onde os entraves são mais contundentes, ou seja, na compra do terreno e nos processos de licenciamento. Empreendimentos multiuso de grande porte e loteamentos, por sua vez, são os que demandam mais tempo na fase de licenciamento. Numa escala de zero a cinco, que mediu o grau de problemas por etapa, receberam nota 4,31 e 4,15, respectivamente.

Para ajudar construtoras e incorporadoras a entender melhor e ficar atentos aos mecanismos da burocracia no imóvel, o estudo traz um mapa detalhando os entraves em cinco fases mais importantes. São elas:

 

FaseEntrave 
Prospecção e compra do terreno
  • Mudança nos planos diretores e de zoneamento com impactos em projetos aprovados, protocolados o em andamento, o que gera insegurança jurídica;
  • Falta de infraestrutura de energia, água e esgoto.
Definição do projeto, licenciamento e aprovação
  • Atraso e subjetividade nas avaliações de licenças ambientais e falta de clareza nas respectivas competências entre as três esferas do poder Executivo (município, Estado e União);
  • Falta de clareza nas regras para definição de contrapartidas;
  • Falta alinhamento dos projetos submetidas às exigências legais;
  • Atraso na aprovação por parte das prefeituras.
Lançamento
  • Baixo nível de serviço e procedimentos não padronizados nos cartórios para registro das incorporações.
Construção
  • Atraso e paralisação dos empreendimentos por conta de decisões judiciais contrárias às aprovações obtidas anteriormente no processo, como as licenças ambientais, contrapartidas, patrimônio histórico etc;
  • Fiscalização trabalhista;
  • Gargalos de mão de obra.
Conclusão e entrega da obra
  • Dificuldades para obtenção do habite-se por conta de mudanças na legislação durante o período de construção que impõem alterações em projetos aprovados anteriormente;
  • Demora no processo de repasse dos valores de financiamento do comprador.

 

É importante ressaltar que as principais causas da burocracia no imóvel estão no “quintal” dos empreendimentos, que são as estruturas ineficientes em prefeituras e cartórios. O estudo identificou quais são:

Processos de licenciamento e aprovação nas prefeituras

  • Falta de corpo técnico nos municípios (quantidade de pessoas e capacitação);
  • Processo não está estruturado entre os órgãos – departamentos dispersos e inexistência de monitoramento;
  • Falta de incentivos para análise rápida de projetos;
  • Insegurança de funcionários públicos por responderem judicialmente como pessoa física pela aprovação.

Processos cartorários

  • Estruturas de cartórios não acompanham o crescimento de volume de projetos, gerando maiores prazos para execução por falta de capacidade;
  • Processos não informatizados;
  • Cartórios tem monopólio em suas regiões, sem incentivos para eficácia e permitindo livre interpretação de leis, eventualmente ao seu benefício, como critério para exigência de documentos e cobrança.

Legislação

  • Leis não estão claras e dão margem a diferentes interpretações;
  • Legislações desalinhadas entre esferas de governo, como por exemplo a legislação ambiental com exigências contraditórias;
  • Direitos adquiridos não são respeitados, por exemplo, o direito de protocolo;
  • Desalinhamento entre prefeituras e Ministério Público, como na aprovação de projetos com questões ambientais, de impacto na vizinhança ou de patrimônio histórico.

A partir do estudo, o segmento da construção observa que é possível reverter o quadro e trazer competitividade para as incorporadoras. Uma das alternativas para se ganhar tempo e eficiência com a redução da burocracia no imóvel, é a introdução do conceito on-stop-shop (todos os serviços concentrados no mesmo local) – no momento existem iniciativas nesse sentido nas prefeituras de Curitiba, São Paulo e Rio de Janeiro.

Embora reconheça que o processo seja longo, o estudo “O Custo da Burocracia no Imóvel” propõe a redução dos custos burocráticos e enumera as principais frentes de trabalho:

  • Melhores práticas para análise e aprovação dos projetos imobiliários;
  • Padronização e revisão das legislações municipais, estaduais e federais;
  • Maior informatização dos processos;
  • Antecipação dos financiamentos aos compradores.

A conclusão é de que além de reduzir os custos, a eficiência nos trâmites faria com que o prazo para entrega dos imóveis caísse pela metade: de 60 para 32 meses.

O impacto da burocracia no desempenho das empresas brasileiras

O advogado, jornalista e consultor ambiental Antonio Fernando Pinheiro Pedro, publicou artigo no portal Ambiente Legal onde afirma que atividade frenética metaburocrática se constitui num “verdadeiro freio ao desenvolvimento econômico do País”. E sobram números para embasar o argumento. A Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) aponta que o Brasil gasta R$ 46 bilhões anuais com burocracia. E vai além: garante que, caso os entraves burocráticos diminuíssem, o PIB iria aumentar em 17%.

Adriana Machado, presidente da General Eletric e associada mantenedora do Movimento Brasil Competitivo (MBC), ao comentar o Relatório de Competitividade Global de 2012-2013, divulgado pelo Fórum Econômico Mundial, observava que a competitividade no Brasil ainda depende de “fortalecer o quadro institucional eliminando burocracia e corrupção, promover acesso com infraestrutura de qualidade, aumentar a produtividade com qualidade da educação e mais eficiência do trabalhador, sem nunca perder o foco em inovação e buscando ativamente estar na fronteira tecnológica”.

O Relatório de Competitividade Global de 2012-2013 colocava o Brasil em 56⁰ posição no ranking, mesma posição que ocupava em 2009. O último estudo, publicado em 2016, mostrou que o país perdeu 19 posições e agora está em 75⁰ lugar na lista.

Para André Camargo, coordenador dos cursos da área de direito do Insper, a burocracia fez surgir um mercado de trabalho formado por profissionais especializados para lidar com ela. “A burocracia criou um mercado. Hoje, retirar esse obstáculo é mexer com empregos”.

Burocracia no imóvel: documentos e procedimentos para a incorporação imobiliária

Antes de colocar a mão na massa, é necessário fazer o Registro de Incorporação (RI) do empreendimento no cartório de registro de imóveis. Esse documento, chamado de memorial da incorporação, deve conter todas as características construtivas com o objetivo de informar ao comprador de que forma o projeto será executado. A legislação determina que a venda das unidades só seja possível após o RI estar concluído.

Com base em um levantamento elaborado pelo advogado especialista em direito imobiliário e condominial, Bernardo César Coura, fica mais fácil seguir, passo a passo, a lista de documentos que são necessários para fazer o registro de incorporação:

  1. Requerimento: solicitação do registro da incorporação, assinado pelo incorporador, com firma reconhecida.
  2. Título de propriedade do terreno
  3. Certidões negativas: referentes ao proprietário e ao incorporador
  4. Certidões do imóvel
  5. Histórico vintenário dos títulos de propriedade do imóvel
  6. Projeto arquitetônico de construção aprovado
  7. Quadros da NBR 12.721/2006
  8. Alvará de construção
  9. Discriminações das frações ideais de terreno
  10. Atestado de idoneidade financeira
  11. Contrato-Padrão (facultativo)
  12. Declaração, acompanhada de plantas
  13. Declarações em que se defina a parcela do preço
  14. Certidão de instrumento público de mandato
  15. Declaração expressa
  16. Minuta da futura convenção de condomínio
  17. Licença ambiental de instalação (LAI) do empreendimento

DOCUMENTO REGISTRO DE IMÓVEIS1- Requerimento: solicitação do registro da incorporação, assinado pelo incorporador, com firma reconhecida.

Pessoa física: caso os cônjuges forem os incorporadores do empreendimento, ambos deverão assinar o requerimento; caso o incorporador seja apenas um deles, somente este assinará o requerimento e, neste caso, deverá apresentar o instrumento de mandato referido no art. 31, § 1º, c/c art. 32, da Lei 4.591/64, outorgado pelo outro cônjuge. Igual exigência deverá ser observada em relação aos alienantes do terreno, se não forem, ao mesmo tempo, incorporadores;

– Pessoa jurídica: o requerimento deverá estar instruído com o contrato social (ou cópia reprográfica autenticada) registrado (Junta Comercial ou Registro Civil das Pessoas Jurídicas), juntamente com certidão atualizada dos atos constitutivos.

2- Título de propriedade do terreno: a escritura ou documento equivalente

Poderá ser título de propriedade de terreno, ou de promessa, irrevogável e irretratável, de compra e venda ou de cessão de direitos ou de permuta, do qual conste cláusula de imissão na posse do imóvel, não podendo haver estipulações impeditivas de sua alienação em frações ideais, com o consentimento para demolição e construção, registrado.

3- Certidões negativas: referentes ao proprietário e ao incorporador

  • Federais
    – Certidão Conjunta da Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional e Secretaria da Receita Federal do Brasil;
    – Da Justiça do Trabalho;
    – Da Justiça Federal (cível e criminal e juizado especial).
  • Estaduais
    – Da Fazenda Estadual;
    – Da Justiça Comum Estadual (cível e criminal e juizado especial).
  • Municipais
    – Tributos municipais.
  • CND do INSS
    – Do titular de direitos sobre o terreno e do incorporador, sempre que forem os responsáveis pela arrecadação das respectivas contribuições – pessoa jurídica ou equiparada. Caso não seja pessoa jurídica ou equiparada, apresentar declaração de que não é contribuinte.
  • Tabelionato de protesto de títulos
    – Negativa de protesto de títulos (abrangendo cinco anos).
    Caso exista Cartório Distribuidor, basta a certidão negativa de distribuição. Sendo positiva, deverá ser apresentada a certidão do cartório de protesto para o qual foi distribuído.

Caso a certidão da Justiça Federal, da Justiça Estadual ou da Justiça do Trabalho, seja positiva, deverá ser apresentada certidão esclarecedora dos fatos do processo.

As certidões da Justiça Federal, da Justiça Estadual, da Justiça do Trabalho e do Tabelionato de Protesto de Títulos deverão ser extraídas no domicílio do proprietário e do incorporador, bem como na circunscrição onde se localiza o imóvel incorporado. Quando a pessoa jurídica tenha mais de um domicílio (filial), é necessária a apresentação das certidões a cada um deles.

O prazo de validade das certidões será de 180 dias, exceto se outro prazo constar expressamente do documento, segundo norma adotada pelo órgão expedidor.

4- Certidões do imóvel

  • Negativa de tributos municipais;
  • Negativa de ônus e ações do registro de imóveis.

5- Histórico vintenário dos títulos de propriedade do imóvel abrangendo os últimos 20 anos, acompanhado de certidões integrais dos respectivos registros.

6- Projeto arquitetônico de construção aprovado pelas autoridades competentes, em via original ou cópia autenticada.

7. Quadros da NBR 12.721/2006

Folha preliminar e quadros 1, 2, 3 4-A, 4-B, 5, 6, 7 e 8 e assinado pelo profissional responsável e pelo proprietário (com firmas reconhecidas). Necessária a apresentação da anotação de responsabilidade técnica (ART) do engenheiro responsável pela elaboração dos quadros.

8- Alvará de construção (original ou cópia autenticada). Para obter o alvará, são necessários:

  • Matrícula atualizada do imóvel;
  • Anuência dos proprietários do imóvel;
  • Projeto de terraplanagem completo e ART de execução;
  • Projeto urbanístico;
  • Projeto de implantação com dimensionamento das unidades a construir, áreas de uso comum e áreas privativas;
  • ART de execução do responsável pelo condomínio;
  • Projeto das redes de água e esgoto sanitário aprovado pela concessionária municipal, com a ART de projeto e de execução;
  • Projeto de pavimentação com ART de projeto e execução;
  • Projeto de rede de energia e iluminação das áreas comum aprovado pela concessionária estadual com a ART do projeto e execução;
  • ART de execução da drenagem;
  • Licença Ambiental de Instalação (LAI).

Para conseguir estes documentos, é preciso passar por processos prévios em diferentes órgãos, que vão desde as consultas de viabilidade do terreno onde se deseja implantar o empreendimento até a obtenção de todas as licenças e alvarás.

Em resumo, o trâmite segue o seguinte rito:

Na Prefeitura:
– Consulta prévia
– Verificação de projeto
– Aprovação de projeto
– Expedição de alvará de construção

Nos órgãos ambientais municipal, estadual ou Ibama:
– Licenciamento ambiental de acordo com o porte e potencial poluidor do empreendimento. Por exemplo: incorporação imobiliária de condomínios verticais, loteamentos e condomínios horizontais, passa pelo órgão municipal; caso a área seja destinada a empreendimento de grande porte, como loteamentos populacionais, deve passar pelo órgão estadual;

O estudo para o licenciamento exige vários projetos pertinentes ao corte de vegetação, averbação de área de manutenção, reposição florestal, entre outros.

Concomitantemente, há trâmites por outros órgãos como:

  • Corpo de Bombeiros;
  • Concessionária de energia elétrica;
  • Concessionária de água e esgoto;
  • Vigilância Sanitária.

9- Discriminações das frações ideais de terreno, com as unidades autônomas que a elas corresponderão (conforme quadro 4-B).

10- Atestado de idoneidade financeira, fornecido por estabelecimento de crédito que opere no país há mais de cinco anos.

11- Contrato-padrão (facultativo) que ficará arquivado na Serventia Registral.

12- Declaração, acompanhada de plantas, sobre o número de veículos que a garagem comporta e os locais destinados à guarda de cada um, salvo se as plantas constarem expressamente do projeto aprovado.

13- Declarações em que se defina a parcela do preço de que trata o artigo 39, II, da Lei de Condomínio e Incorporação (art. 32, l, da Lei 4.591/64).

14- Certidão de instrumento público de mandato, quando o incorporador não for o proprietário. Ocorre quando o proprietário outorga ao construtor/incorporador poderes para a alienação de frações ideais do terreno.

15- Declaração expressa que defina se o empreendimento está ou não sujeito a prazo de carência.

16- Minuta da futura convenção de condomínio.

17- Licença ambiental de instalação (LAI) do empreendimento.

E, por fim, nunca é demais lembrar que os documentos devem ser apresentados com a via original e duas cópias, com as firmas de seus subscritores reconhecidas (os de ordem particular).

Conhecer os entraves ajuda a reduzir as perdas com a burocracia no imóvel

Depois de conhecer o volume de documentos exigidos para a incorporação fica mais fácil entender porque a fase da pré-construção – onde se encaixa o processo de obtenção do alvará e, por consequência, o de licenciamento – pode tomar 33 meses dos 50 previstos pelo cronograma (em empreendimento financiado com recursos do Fundo de Arrendamento Residencial (FAR), de acordo com o estudo “O Custo da Burocracia no Imóvel”.

Num cenário ideal, o tempo da obra deveria ser de 24 meses, destes, apenas cinco dedicados aos processos de compra do terreno, desenvolvimento do projeto, obtenção do alvará de aprovação, registro de incorporação e lançamento. O tempo da execução propriamente dita tomaria 18 meses do prazo estimado.

O impacto desse atraso é bastante relevante para o retorno do projeto, considerando o capital investido. O mesmo estudo mostra que, se considerado o mesmo empreendimento financiado pelo FAR, a ineficiência da cadeia produtiva representa 4% sobre o valor presente líquido (VPL). Em um loteamento, o índice pode representar 12%.

Portanto, quanto mais o incorporador e o gerente comercial conhecerem os trâmites dos processos de licenciamento – já apontado com o maior gargalo nos empreendimentos imobiliários – melhores serão as chances de encontrarem caminhos para facilitar o desembaraço e reduzir custos e prazos.